É evidente que Portugal entrou num caos total no que diz respeito ao combate à pandemia. As autoridades não souberam antecipar um ano que já se adivinhava extremamente duro e de reforço de todas as medidas que já haviam sido tardiamente adotadas. Na esperança, vã e não fundamentada de que o nosso País fosse poupado às agruras virais que assolavam os vizinhos mais próximos. Mas como? Se não se fechou o país atempadamente e nem sequer se adotaram medidas de precaução básicas à entrada no território nacional, nas diversas fronteiras. Era, de facto, demasiado otimismo e pouco realismo.

Estamos de volta ao confinamento, mas com uma atitude de exasperação, saturação e, consequentemente, maior relatividade por parte das pessoas, que não veem luz ao fundo do túnel, nem sequer com o avanço a conta-gotas da vacinação, que está ainda longe de proporcionar a tão desejada imunidade.

Vamos ter, seguramente, um ano muito semelhante ao que passou. Esperando que não seja pior, até porque já nos deveríamos ter preparado para este embate, pela “amostra” de 2020.

Outra notícia menos boa é que o caos chegou de vez às medidas legislativas de caráter extraordinário, potenciando os atropelos sucessivos entre diplomas. No mesmo dia em que são publicados, são logo acompanhados de outros que os alteram, por vezes de forma significativa, assumindo, sobretudo, um caráter impenetrável, incompreensível, ilegível para quem tem de acompanhar e perceber as medidas, e mesmo para quem tem de as aplicar.

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Veja-se o seguinte exemplo, mas muitos outros poderiam ser citados:

No n.º 1 do art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 6-E/2021, que prevê o layoff simplificado, enuncia-se que o chamado “apoio extraordinário à manutenção de postos de trabalho” vulgo “layoff simplificado”, que o Governo decidiu agora recuperar, mas compensando os trabalhadores a 100%, não é cumulável com o chamado “apoio extraordinário à retoma progressiva de atividade em empresas em situação de crise empresarial”, que atribuiu uma compensação proporcional ao tempo de trabalho após maior ou menor redução pela entidade empregadora, podendo ser total.

Porém, no n.º 2 da mesma disposição afirma-se que os apoios referidos no número anterior, abrangendo, portanto, quer o do “layoff” simplificado, quer o do “apoio à retoma (proporcional ao tempo de trabalho) não são cumuláveis com: a) apoio extraordinário à manutenção de postos de trabalho (…); b) apoio extraordinário à retoma progressiva de atividade em empresas em situação de crise empresarial;”

Se o pretendido é dizer que um é alternativo ao outro, então já estava dito no n.º 1. De resto, também não se vê que sentido possa ter, tratam-se de duas alíneas que não deveriam estar aí.

Outro exemplo, na mesma linha de raciocínio: o Decreto-Lei n.º 6-C/2021 do mesmo dia, veio alterar e republicar o Decreto-Lei n.º 46-A/2020 que criou o referido apoio extraordinário à retoma progressiva. Adita-lhe um art.º 14.º-A que vem instituir um apoio simplificado para microempresas à manutenção dos postos de trabalho, determinando-se neste último artigo que tal apoio se destina a microempresas que beneficiem do apoio previsto no art.º 4.º do mesmo diploma, ou seja, o referido apoio extraordinário à retoma progressiva. Ou seja, microempresas em situação de crise empresarial poderão cumular o apoio progressivo à retoma (art.º 4.º) e o apoio simplificado do art.º 14.º-A. Isto é claro, até aqui. Sucede, porém, que o art.º 15.º do mesmo diploma, na redação introduzida pelo mesmo Decreto-Lei n.º 6-C/2021, vem dizer exatamente o contrário, no seu n.º 1 “O acesso aos apoios previstos nos artigos 4.º e 14.º-A não são cumuláveis (…).”

Para além da falta de concordância gramatical entre “o acesso “ e “cumuláveis”, que diz muito acerca da precipitação com que se está a legislar, fica a dúvida sobre se as microempresas podem ou não cumular o apoio à retoma progressiva com o apoio simplificado à manutenção de postos de trabalho, como parece ser a intenção do Governo. Convinha evitar estes lapsos.

Depois há várias normas que consistem apenas em remissões para outras, tornando-se ininteligíveis fora do contexto, que exige a convocação de várias outras, entretanto objeto de várias alterações. Só o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março já foi alvo de 26 (vinte e seis) alterações! E até ao fim dos sucessivos estados de emergência, não irá ter menos do dobro deste número.

Por tudo isto, dou comigo a perguntar a mim mesmo se o culpado seu eu, ou se há mais culpados nesta equação?