De tempos a tempos, os que vivem da venda superficial de soluções fáceis, mágicas, e que aparentam pouco esforço, sugerem-nos ser possível aumentar a produtividade, trabalhando menos. Na semana passada foi o Rui Tavares a trazer a boa nova. Num artigo com o sugestivo título, “Trabalhar menos para produzir mais: rumo à semana de quatro dias”, vestindo a pele do peixinho Nemo, Rui Tavares convidou os seus leitores a sonhar: “Imagine uma semana de quatro dias de trabalho e o que ela significaria. A sua produtividade agradeceria; a economia do país também. Portugal, vamos pensar um pouco à islandesa?”.

O artigo, não indo além dos mantras fofinhos da Pixar, ao estilo “brilha, brilha estrelinha. Encontre um lugar feliz! Encontre um lugar feliz!”, tem a virtude de levantar uma questão interessante: é possível aumentar a produtividade, trabalhando menos? O que é, afinal, essa coisa chamada “produtividade”, que leva a que em Portugal, por cada hora trabalhada, se produza, em média, cerca de trinta euros, enquanto nos Países Baixos, por cada hora trabalhada, se produza quase o dobro, um pouco abaixo de sessenta euros, e no Luxemburgo, por cada hora de trabalho, se produza mais de oitenta euros?

A produtividade é o valor que retiramos da combinação dos distintos fatores de produção. Entenda-se “fatores de produção” como os elementos necessários para criar valor, neles se incluindo (para irmos mais além da versão clássica “trabalho”, “capital”, “terra”), por exemplo, o trabalho, os equipamentos usados, o capital financeiro, a energia, a internet, o conhecimento licenciado, entre milhares de outros elementos. Como na culinária, onde a forma como se combinam os diferentes ingredientes pode dar lugar a iguarias deliciosas ou a pratos asquerosos, o mesmo acontece com a produtividade: combinar fatores de produção para criar valor não é uma receita tipo “bimbi”, sendo essa uma das razões pelas quais há países que extraem mais valor em cada hora de trabalho do que outros, podendo dar-se ao luxo de – se quiserem – trabalhar menos para sustentar o seu estilo de vida.

A produtividade não resulta apenas da capacidade do fator trabalho, embora ele tenha uma forte influência. Imaginem uma empresa com mil pilotos de avião, altamente qualificados. Se esses pilotos dispuserem apenas de um único avião para pilotar, a sua produtividade vai ser muito baixa, apesar das suas elevadas qualificações. Em sentido inverso, de nada vale adquirir uma frota moderna de aviões, se apenas houver um número muito reduzido de pilotos capazes de os fazer voar. Assim, o primeiro aspeto que importa reter é que a produtividade resulta da melhor combinação possível entre as qualificações das pessoas, e a sua disponibilidade para extrair o máximo valor dos equipamentos disponíveis.

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Mas não apenas. Não basta produzir de forma eficiente, combinando adequadamente os fatores de produção, para criar valor é fundamental que a produção gere utilidades. Aviões vazios que não transportam pessoas ou mercadorias, podem até representar uma combinação eficiente entre a frota e as capacidades e disponibilidades dos pilotos, mas se não forem úteis, se não criarem valor para alguém, não contribuem para a produtividade.

Dito isto, quando alguns defendem que é possível aumentar a produtividade pela mera redução das horas de trabalho, o que é que isto significa?

Pode desde logo significar que a combinação dos fatores é ineficiente, e que há uma alocação de horas de trabalho que não contribui para criar valor. Tal pode ocorrer, por exemplo, porque não há equipamentos suficientes para absorver a capacidade humana disponível. Imaginem um hospital com pessoal hospitalar qualificado. Apesar de haver listas de espera e uma população carente de cuidados de saúde, a míngua de blocos cirúrgicos pode levar a que não seja possível absorver toda a mão de obra disponível e cobrir as necessidades da população.

Em sentido inverso, pode acontecer que não haja procura para aquilo que as pessoas têm para oferecer. Por exemplo, com a quebra demográfica abrupta que estamos a viver, será que as horas disponíveis no Ministério da Educação serão, a prazo, aptas a criar utilidades e reforçar a produtividade do país?

Por aqui se pode intuir que para ter uma boa produtividade média é fundamental conseguir ajustar as capacidades às necessidades, num mundo em permanente mutação. Ora, é por demais sabido que há setores que se adaptam com uma grande rapidez às alterações das circunstâncias, enquanto outros teimam a resistir à mudança, levando a que a produtividade viva permanentemente penalizada. Importa não esquecer que o ajustamento a que aqui me refiro se faz não apenas ao nível da oferta e da procura, mas também na combinação dos fatores. Neste particular, há que ter presente que com a mecanização, a digitalização, e a afirmação de soluções de inteligência artificial, entre outras disrupções que estamos a viver, é por demais sabido que temos urgentemente de repensar a forma como cada um de nós se relaciona com o trabalho e com a criação de valor.

Ora, o ajustamento implica investimento e sentido de reforma. Num país onde muitos setores permanecem de mão de obra intensiva – neles se incluindo inúmeros setores onde a gestão compete ao Estado –, em que vivemos o permanente desafio de criar utilidades que o mundo queira consumir e pagar, há um longo caminho a percorrer até que o sonho e as visões de Rui Tavares possam ter espaço de afirmação.

Desconfio – aliás, tenho a certeza – que a maioria dos que aspiram a ganhos de produtividade pela redução do número de horas de trabalho, não estão interessados nos ganhos de produtividade, mas apenas na possibilidade de poderem trabalhar menos. Porque aquilo que é necessário fazer para que Portugal tenha produtividades médias próximas das que existem nos Países Baixos ou no Luxemburgo, implica menos emprego público, mais flexibilidade, sistemas fiscais mais competitivos, menos desperdício (ou, como se diz por estes dias, mais “frugalidade”), menos mão de obra intensiva, proteção da propriedade intelectual e da formação de capital. Ainda assim, considero o debate sobre a produtividade, um dos mais importantes para o nosso futuro coletivo, a partir do qual poderemos sinalizar as principais reformas de que o país necessita, nos próximos anos.