1 Na última crónica, assumi o compromisso de hoje começar a apresentar, de forma sucinta, aquilo que considero ser essencial para o futuro do país. Antes, porém, de apresentar a primeira linha de força das minhas “exigências eleitorais”, tenho de fazer um “mea culpa” por aqui ter partido do princípio de que Paulo Rangel viria a ser o vencedor da contenda interna no PSD.

Ao contrário de muitos dos apoiantes de Paulo Rangel que um pouco pelas redes sociais responsabilizam um suposto “conservadorismo” do eleitorado da direita para explicar o fracasso da candidatura, não me parece, nem que a condição homossexual do candidato tenha tido uma especial relevância no resultado final, nem que a sua derrota signifique uma espécie de capitulação de uma suposta “ala passista”. Os resultados da eleição estão, aliás, muito em linha com o que sempre ocorreu no PSD: Rangel perdeu porque a máquina de Rio – não obstante as hostes do vencedor o apresentarem como uma espécie de D. Quixote contra “caciques, tubarões, lobbies, media, comentadores, autarcas e até o PR” – foi mais competente na reta final, sobretudo nos “swing states” de Aveiro, Porto e Braga. “Business as usual”. Como muito bem se explicou aqui no Observador, os resultados no Porto para o lado “rangelista” ficaram muito aquém do esperado, o mesmo ocorrendo em Braga (muito pela ação do Carlos Reis, um simpático “não-cacique” próximo de Rio, que fez de Barcelos a segunda maior concelhia do país). Em Aveiro, e não obstante ter falecido em finais de Outubro, a vontade de António Topa terá sido respeitada, fazendo jus à velha máxima que reza que quem ele apoia vence as eleições no PSD. Já a crida morte da “ala passista” (seja lá o que isso for), afigura-se também manifestamente exagerada, sobretudo se atendermos que, ao que parece, muitos dos apoiantes de Luís Montenegro não terão respondido à chamada por não sentirem grande apelo num voto em Rangel. Para lá das meras contas, Rangel pode queixar-se de azar: falhou a eleição da sua vida pensada ao milímetro por não ter antecipado, nem os bons resultados do PSD nas autárquicas, nem a queda abrupta da Geringonça. Falhou, sobretudo, por ter acreditado que uma coligação negativa, de circunstância, criada à sua volta, poderia ser mais forte que o espírito arreigado de Rio, o qual, quando “picado” (usando as palavras do próprio), exibe ter mais vidas que o gato das botas. Em Janeiro saberemos se no final desta história o “picado” Rui Rio é, afinal, um persistente gato das botas, pronto para governar o país, ou um derrotado D. Quixote.

2 País esse que, à saída da crise mais complexa das últimas décadas, fruto da pandemia, das disrupções económicas e sociais causadas pela revolução digital e da nossa letargia estruturante, mais uma vez se encontra fragilizado por não ter, nos anos da bonança da Geringonça, feito o suficiente para poder responder com saúde às dificuldades. Não é difícil exigir uma governação coerente que permita, a prazo, desonerar a fiscalidade, aumentar o investimento público, diminuir a despesa pública primária, e modernizar o país, a partir de políticas públicas coerentes. O desafio está em saber: mas como?

A palavra mágica chama-se “produtividade”. Antes de aspirar a um “choque fiscal”, ou sonhar com “mobilidade social”, Portugal precisa de um “choque de produtividade” que nos permita fazer mais, com menos. Na verdade, num cenário como o português, sem qualquer “net working capital” ou reservas de liquidez ao nível do erário público, a descida de impostos e a mobilidade social serão consequência possível de choques de produtividade, e não o inverso.

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Para poder aumentar a produtividade, teremos de alterar profundamente um setor público, baseado em mão de obra intensiva e com poucos incentivos, e reforçar significativamente o investimento público em tecnologia e em recursos digitais. A revolução digital em curso, a par do envelhecimento de largas franjas da administração pública são uma oportunidade de ouro para levar a cabo um choque de produtividade que permita reduzir a despesa pública primária, de forma relevante. Se tomarmos como exemplo a Caixa Geral de Depósitos, que a partir de uma orgânica provavelmente mais eficiente (por estar em concorrência e em mercado) que uma boa parte da administração pública, conseguiu num universo de 4 anos (desde 2017), reduzir os seus custos operacionais em mais de 20% (só em 2020, em plena pandemia, a redução foi de 8%), alinhando o seu cost-to-income com as melhores práticas dos bancos europeus, não é irrealista – haja persistência política – aspirar a uma redução, num prazo de 5 a 8 anos, de 20 a 30% da despesa pública primária, face ao perfil atual dos gastos. Essa redução permitirá libertar recursos para reduzir impostos, melhorar as carreiras públicas essenciais, e reforçar o investimento público em setores-chave como a saúde, a educação, a justiça, e as infraestruturas. O exemplo da CGD mostra, além do mais, que mesmo no setor público é possível modernizar processos, ampliar investimento e alterar o perfil dos recursos humanos para os tornar mais competitivos para um mundo mais digital, ao mesmo tempo que se faz uma otimização de custos, sem grandes dramas, desde que seja executada no terreno a estratégia correta com a persistência adequada.

A melhoria da produtividade faz-se, não apenas da redução e alteração do perfil da despesa pública primária, mas igualmente pela eliminação pura e simples de ineficiências históricas de um país afogado em processos desnecessários e redundantes. Digitalizar sem, porém, desmantelar as estruturas existentes, não só não aumenta a produtividade, como a reduz. Digitalizar significa, também, eliminar processos supérfluos que se traduzem, não só numa melhoria significativa da qualidade de vida dos cidadãos e das empresas, mas em poupanças brutais para a economia do país. Não se compreende, por exemplo, que a renovação de um cartão do cidadão, que mais não é do que um documento de plástico com um chip, com caducidade conhecida desde a data da emissão, e onde a maioria dos dados aí contidos não mudam, não seja um processo simples, barato, e atempado, mas um caos, com longas filas e ministros aos berros a tentar pôr ordem na casa. Tão pouco se compreende, por exemplo, numa altura em que já existem inúmeros balcões digitais públicos (pense-se no Portal das Finanças), que haja processos de injunção por dívidas que evoluem para ações declarativas, por incapacidade de citar o devedor, com todos os custos que isso implica para a economia, para as empresas, para o funcionamento dos tribunais, e para a confiança dos investidores. São milhares os exemplos como este que fazem de Portugal um non-sense burocrático que há muito sinalizamos, mas que continuamos sem, definitivamente, enfrentar.

Melhorar a produtividade a curto prazo significa, finalmente, combinar o stock de competências e a capacidade instalada de uma forma eficiente. Só por mero despeito ideológico continuamos a ter, por exemplo, saúde ou educação públicas, exclusivamente prestadas pelo Estado. Em 2021, é ainda difícil explicar que a natureza pública está na prestação, e não na natureza do prestador. O desperdício que existe por não sermos capazes de, simplesmente, aproveitar a capacidade instalada, forçando a duplicação de estruturas e negando sinergias, é significativo, com impacto direto na produtividade geral do país. A liberdade de escolha e a autonomia dos prestadores têm, obviamente, substrato político e moral, mas a eficiência que introduzem nas políticas públicas deveria ser suficiente para as tornar mais consensuais. Não faltam políticas públicas no eixo da liberdade de escolha e da autonomia da prestação, compatíveis com as aspirações ideológicas de socialistas, sociais-democratas e liberais, pelo que só por rendição à extrema-esquerda poderemos continuar a recusar soluções que permitem melhorar a prestação, com menos custos para os contribuintes. Nesta linha, é já hora de o Estado se afastar da gestão de grandes empresas públicas. É, aliás, inadmissível que o chumbado Orçamento de Estado para 2021 tivesse como prioridade para gastos uma companhia aérea historicamente falida e uma empresa de transporte ferroviário, numa altura em que todos os tostões fazem falta para melhorar o SNS, dar assistência aos que mais precisam, reforçar o investimento público essencial e diminuir a carga fiscal sobre a classe média e as PME.

Melhorar a produtividade da fatia do PIB que é gasta no setor público é, além do mais, um imperativo de justiça. Portugal não pode continuar a ter uma parte do país exposta à concorrência e a ter de se adaptar a um mundo cada vez mais agressivo e em mudança, sem que o mesmo ímpeto reformista seja promovido no setor financiado pelos impostos. É responsabilidade dos cidadãos moderados e, sobretudo, das novas gerações de todos os quadrantes políticos, exigir, no próximo ciclo político, um “choque de produtividade” transversal, que permita, a prazo, resgatar a decisão política. Porque não há espaço para política, à esquerda ou à direita, sem a existência de recursos disponíveis.