A Organização Mundial de Saúde estima que, anualmente, se registem cerca de um milhão de suicídios no mundo.Com o firme propósito de reduzir os números que lhe estão associados, ao longo dos últimos anos, a consciencialização para o suicídio tem vindo a aumentar, impulsionando assim uma nova abordagem ao assunto, o que é um claro indicador de um desejável desenvolvimento global sustentável e uma preocupação crescente com a saúde pública.
O suicídio já não se encontra envolto numa bruma de mistério insondável hoje em dia, tem-se conhecimento do que pode determiná-lo, associando-o a pessoas com doença psiquiátrica ou imbuídas num estado psíquico de grande fragilidade, que revela ser, muitas vezes, de carácter passageiro, não fosse um acto em si a precipitar os acontecimentos.
Podemos acerca disto depreender que o suicídio é impulsionado de sobremaneira pela deficitária ou inexistente comunicação. A pessoa suicida está, muitas das vezes, absolutamente sozinha. Mesmo que esteja pretensamente rodeada de amigos e de familiares, o seu nível comunicacional para com eles encontra-se bloqueado aos mais diversos níveis e pelos mais variados motivos. Os canais comunicacionais encontram-se obstruídos e é por este motivo que a maior parte dos suicídios se efectiva, com sucesso, na primeira tentativa.
Associado ao suicídio está uma forte estigmatização. Quem não o consegue numa primeira tentativa incorre habitualmente em depressão, com risco elevado de reincidência numa nova tentativa. Cria-se, geralmente, uma aura de segredo sobre o assunto, para não causar melindres e assim poder afastar o assunto tabu da ordem do dia, agindo como se nada se tivesse passado. O estigma alastra-se aos amigos e familiares destas pessoas que se sentem, não raras vezes, impotentes, quer por não terem conseguido antever a tentativa em si, quer por não terem conseguido evitar a morte da pessoa. Pode ainda haver lugar a um terrível sentimento de abandono e também de incompreensibilidade, por acharem não terem sido razão suficiente para evitar o sucedido.
Todo este estigma associado ao suicídio potencia, muitas das vezes e quando possível, a ocultação do sucedido, dando origem ao chamado sub-registo do problema no país. Apesar de se saber que em média poderão morrer três pessoas por dia em Portugal devido a suicídio, ficam por contabilizar as mortes por causa desconhecida e as mortes violentas de intenção indeterminada, bem como as mortes por acidente ou overdose. Este sub-registo poderá transmitir uma ideia errada do alcance deste problema na população portuguesa, impedindo que sejam trilhados pelos decisores políticos os caminhos necessários para solucionar este flagelo.
Apesar de, ao longo da ultima década, terem vindo a decorrer varias iniciativas acerca desta temática a verdade é que talvez não lhe tenha sido dada a tão necessária visibilidade, capaz de prevenir significativamente tanto as tentativas de suicídio como as mortes por esta causa.
O suicídio está sempre presente nas nossas vidas. Todos conhecemos alguém que, abruptamente, decidiu por termo à vida. Tendemos a sentir empatia pelo sucedido em favor dos envolvidos, concomitantemente a uma sensação dilacerante de impotência face ao sofrimento psíquico que lhe está associado.
Organizar e disponibilizar um maior número de campanhas de sensibilização, assim como olear uma maior e mais eficaz rede de apoio para quem necessita de ajuda parece ser imperativo.
É preciso falar mais sobre o suicídio! É preciso falar mais sobre as muitas vulnerabilidades, factores de risco e gatilhos que na vida de uma pessoa o podem despoletar. É preciso de falar mais sobre quem corre para a morte despojado de tudo aquilo que poderia contribuir para que se agarrasse à vida com todas as forças. É preciso falar sobre quem se entrega ao suicídio pois pensa não poder entregar-se com sentido a mais nada, nem a ninguém. É preciso falar sobre suicídio para melhor o tentar compreender, prevenir, bem como ajudar, aqueles que para sempre se tornam, de certo modo, reféns desse acto cometido por outrem, que lhes era próximo, e que para sempre lhes marcará com angústia os passar dos dias.
As consequências da situação económica e social actual, marcada por uma pandemia recente e por uma guerra em curso, ainda estão longe de ser aferidas e devidamente relacionadas com o número de suicídios em Portugal e no mundo. Mas o que sabe é que alturas de crise económica e social podem ter influência no aumento deste tipo de comportamento, aumentando a mortalidade associada. Cabe-nos a todos, enquanto sociedade, a prerrogativa de falar acerca do suicídio pois a melhor estratégia para o combater é a sua prevenção, sendo que todos podemos ser “porteiros sociais” para abrir a porta à ajuda de que a pessoa em risco necessita.