A NASA provoca menos alarido quando encontra um novo planeta no espaço, do que a matilha musculada de intolerantes raivosos quando descobre que há vida para além da esquerda. O ódio apodera-se das consciências indigentes, ao assistirem aos habitantes de uma área política distante defenderem princípios absolutos num contexto de igualdade de direitos de expressão. Não podem – nem querem – consentir a existência de seres humanos que usem essa liberdade, sem lhes pedir autorização. O problema de quem o faz à sua revelia não está na mensagem que transmite – pois ela poderia perfeitamente ser veiculada nos exactos termos pelos “donos disto tudo”. Está no mensageiro. É esse que importa matar.
Alguém que, como eu, não toca na banda dos canhotos, está expressamente proibido de possuir sentido de humor, recorrer à ironia, afirmar-se pela igualdade, combater o racismo, proteger as minorias, apoiar os mais vulneráveis, repudiar a violência, ser moderado, lutar pela democracia e amar a liberdade. Este corpo de prerrogativas políticas ganhou natureza ideológica. Tornaram-se cativas de uma pandilha autoritária que as capturou para sua exclusiva fruição. É a única propriedade privada que reconhecem: a sua sobre a manifestação cultural e social deste quadro de valores.
Senão vejamos: há um espaço de diversão nocturna em Lisboa que foi alvo de múltiplas queixas por comportamentos racistas. Essa discoteca foi encerrada pelo Governo de António Costa. Face ao acontecimento, decidi escrever na minha página pessoal da rede social facebook: “O karma vingou-se. O Urban foi barrado de Lisboa por um tipo moreno de ascendência indiana”. É tão estupidamente óbvio o sentido que quis dar a cada uma destas palavras, que chega a ser infinitamente insultuoso para a inteligência humana ter que o dissecar. Mas vamos lá: para uma discoteca que alegadamente discrimina racialmente os clientes, existiu uma reacção de força equivalente em sentido contrário (karma), projectada por uma pessoa que apresenta características étnicas que são objecto de racismo. Isto é: o destino foi, com toda a justiça, irónico, pois censurou a continuidade de práticas racistas através de alguém que poderia configurar um alvo das mesmas.
É certo que se isto tivesse sido proferido por um humorista famoso, seria classificado como o “creme de la creme” da mais fina comédia satírica. Se fosse dito por um político de esquerda, tratar-se-ia do mais belo grito da vitória da ironia sobre o racismo. Como fui eu, presidente de uma juventude partidária de direita, deu-se o milagre da transfiguração instantânea do significado do texto: uma publicação que repudiava veementemente o racismo transformou-se numa publicação racista. Porque, no douto entendimento dos polícias do pensamento, a caricatura de um político de direita já está concebida, é digna de um vasto rol de preconceitos que têm que lhe assentar, a bem ou a mal. Ele é racista, xenófobo, fascista. Se não for, passa a ser pela força da injúria, do linchamento público de carácter e da perseguição. Mesmo que se trate de alguém a quem as acusações se traduzam num puro anacronismo na história da sua vida, como é o meu caso, que sou cristão e considero que todas as vidas têm igual dignidade, que estudei numa escola interna com colegas oriundos dos PALOP a quem chamei de irmãos, que tive a honra e o gosto de trabalhar na associação de estudantes da minha faculdade com vários colegas africanos, que sou militante de um partido que tem como referência Narana Coissoró, que se orgulha de ter o filho do primeiro-ministro como um dos seus melhores amigos e confidentes.
As regras do jogo não são as mesmas para todos. A má fé que não se extrai das letras ficciona-se na intenção de quem as desenhou com a adição artificial de maldade. Mesmo que as frases percam o nexo e contrariem a personalidade do autor. Vale tudo para colocar um rótulo tóxico e alimentar um género pérfido de jornalismo que vende a alma por um “prato de cliques”. Os ideólogos do politicamente correcto não viram pecado quando Arménio Carlos se referiu ao representante da delegação do FMI, Abebe Selassie, como o “rei mago escurinho”. Tão pouco se ofenderam quando Luís Pita Ameixa, deputado pelo PS, apelidou Passos Coelho como “africanista de Massamá”. Riram-se, pasme-se!
Todavia, foram os primeiros a aplicar os seus melhores ofícios na convocação do terror, mediante a nojeira do insulto e do ataque soez, destinados a escanchar este que vos escreve, o qual escancarou o estereótipo das vítimas de racismo para exprimir a oportunidade do positivo ajuste de contas, condenando desse modo aquela prática indecente. Concluo, portanto, que há mais patrulhamento ao que sai da minha boca do que à porta das discotecas. E se fosse consigo? Calar-se-ia perante tamanha javardice? Admitiria perder densidade humana só porque interessa a algumas luminárias que o que diz não tenha graça? Repito: eu sei que o problema não é o que eu digo. É ser eu a dizê-lo. É a minha cor (política). No dia em que o homem se demitir de ser homem, a humanidade perder-se-á. Citando Marisa Matias, eurodeputada pelo BE, “a vida sem humor não tem um décimo da piada”. Eu acrescento: quando já nem o humor nos sobra, não nos resta nada. E se fosse consigo?
Advogado e Presidente da Juventude Popular