E se o chamado «fim da guerra do Afeganistão» fosse algo diferente das reacções europeias de quase todos os bordos partidários? A foto de um ‘talibã’ que me chegou logo pelos media para ilustrar fuga dos Estados Unidos (EUA) é a de um exibicionista, como seria de recear, mas só explicou metade do fenómeno. Oxalá os ‘talibãs’ ficassem por aí mas não é provável. O que também não era provável há 20 anos é que os EUA ficassem «ad aeternum» no Afeganistão praticamente sozinhos. O novo presidente norte-americano, Joe Biden, tem a favor dele o facto de ter votado sempre contra o «enterro no deserto» decidido pelo presidente da época, o republicano George Bush filho. Ou alguém acha que os EUA ganharam alguma coisa além do castigo infligido aos fanáticos muçulmanos que derrubaram as Torres Gémeas de Nova Iorque?

Se queremos conhecer os responsáveis do inopinado abandono do Afeganistão, devemos começar por perguntar: 1.º Quem financia os ‘talibãs’? 2.º Quem financia a NATO, cujos membros, com uma ou outra excepção que obviamente não inclui Portugal, nunca pagaram a percentagem do PIB que se comprometeram pagar há 70 anos? Da mesma maneira que os EUA mantêm uma guerra surda com o Irão, a China e a Rússia, a União Europeia (UE) beneficia ostensivamente com os negócios feitos nesses países. Já Barak Obama, quando foi presidente, era a favor da saída do Afeganistão – ou não? Imagino que a pretensa esquerda de então seria a favor… E não era Biden o seu vice? Por último, não são as futuras vítimas dos talibãs as mesmas que estes já tratavam da maneira que se sabe antes da ocupação americana e voltarão a tratar enquanto os países da NATO não se atrevem a recusar a poligamia apesar das palavras de ordem feministas?

Em suma, se é certo que a permissão dada pelos EUA aos ‘talibãs’ para regressarem ao Afeganistão a fim de porem conjuntamente termo à guerra tornou a gestão do abandono extremamente difícil, ao ponto da aparente debandada das tropas e do descontrolo do presidente Biden, é lícito perguntar o que estavam os EUA a fazer ali há duas décadas? Se se trata da cruzada dos «direitos humanos», não se vê por que razão teriam os EUA de prégar aos afegãos em vez de tantos outros! Comparativamente, apesar do regime colonialista ditatorial, Portugal levou muito menos tempo a entregar as populações africanas às suas corruptas ditaduras militares actuais, já então financiadas e apoiadas pelos comunistas entretanto desaparecidos.

O importante é notar que, ao contrário do Afeganistão, os EUA não saíram da Coreia do Sul nem da antiga Formosa (Taiwan). Por duas razões: Primeiro,  porque estas seriam invadidas imediatamente pela China (os ‘talibãs’ são uns “selvagens” mas a China, à maneira dela, não é melhor; é pior: é mais sistemática como se tem visto). Segundo, porque entretanto a Coreia do Sul e Taiwan liberalizaram-se e desenvolveram-se ao separar-se da China, para isso sendo protegidas pelos EUA. Imagine-se o que aconteceria aos seus actuais 75 milhões de habitantes no dia em que os EUA se retirassem… Em contrapartida, a chamada Coreia do Norte continua a ser um apêndice da China que só não é ridículo porque é brutal… embora mimada durante o nosso PREC: um dos grandes problemas da História é, como se sabe, a perda de memória, para não falar da falta de vergonha dos desmemoriados.

Enquanto as boas almas regidas pela comunicação social continuam a protestar contra a atabalhoada saída dos EUA, entretanto terminada, não se apercebem dessa prevalência cultural islâmica que explica boa parte do conflito sustentado pela generalidade dos países muçulmanos contra o mundo ocidental, com ou sem petróleo e com ou sem drogas. Perante isso, a UE não só parece não ter meios para lidar directamente com a imigração, como também não tem presente o facto cultural de os EUA não serem tanto um país colonialista, como os europeus, mas sim virados para dentro; no limite, isolacionistas, como é sabido.

Viu-se durante as duas guerras mundiais. Se não fosse Pearl Harbor, talvez Roosevelt não tivesse conseguido fazer os EUA entrar na II Grande Guerra. E não é impossível que as duas únicas bombas atómicas lançadas até hoje se devam a castigar o ataque japonês. Ora, hoje, Obama é o primeiro dos isolacionistas, como bem se viu em relação à Europa durante a sua presidência. Biden não há-de ser menos. A perda da Inglaterra para o campo americano equivalerá a uma perda europeia suplementar. A aparente derrota no Afeganistão afectará menos os EUA do que a UE, começando com a subida da expectável pressão americana sobre a China e sobre a própria Índia. Aqui, os «direitos humanos» parecem estar mais do lado dos «isolacionistas» do que dos «livre-cambistas» — não será assim?

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