No dia 26 de Maio somos novamente chamados a eleger os nossos representantes no Parlamento Europeu (PE). Apesar de ter beneficiado muito da União Europeia (estudei fora ao abrigo do programa Erasmus, tenho uma profissão que beneficia da globalização, etc.), tenho-me questionado sobre o interesse em votar para o Parlamento Europeu. Como é que a UE está presente na vida de outras pessoas que tiveram menos possibilidade de viajar do que eu?

A verdade é que o primeiro debate com candidatos foi um desastre. Falou-se de tudo menos ideias para a Europa, tanto que até fotografias de José Sócrates apareceram… O facto de o próprio debate decorrer durante 20 minutos na SIC para depois continuar num canal por cabo não deverá ter ajudado a cativar a audiência. Nem sequer me foi possível encontrar uma página na internet com todas as candidaturas (existe agora: Europeias2019.com). A cereja no topo do bolo: uma crise política de uma solução de governo que durou 4 anos, pois tinha de haver uma crise mesmo antes das Europeias. A conclusão: ninguém parece seriamente interessado em discutir ideias sobre a Europa e em combater a abstenção.

Após reflectir, discutir com amigos e estudar o assunto, cheguei à conclusão que o voto nas eleições europeias nunca foi tão importante como hoje, e espero que este artigo ajude mais Portugueses a sentirem-se informados para ir votar.

O que é o Parlamento Europeu?

O Parlamento Europeu é o principal órgão legislativo da União Europeia. Tal como a própria UE, o Parlamento tomou diferentes formas ao longo dos anos. No seu formato actual, os Europeus elegem desde 1979 os seus representantes para o PE e é desde 2009 (Tratado de Lisboa) que o Parlamento tem mais poder, como por exemplo o controlo sobre o orçamento da União Europeia.

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É importante distinguir aqui duas outras instituições da UE: a Comissão Europeia (cujo Presidente é eleito pelo Parlamento), e o Conselho Europeu (reunião de líderes de cada país). No Conselho as decisões são tomadas por acordo entre os respectivos chefes de governo (António Costa, Angela Merkel, Emmanuel Macron, etc.) e é ao Conselho que cabe a tomada de posições sobre a direcção estratégica de própria união. Por outro lado, existe também a Comissão, que pode ser considerada o governo da União. É à Comissão que cabem as acções executivas, como as avaliações de candidaturas a fundos Europeus ou a aplicação de multas por práticas anti-concorrência.

Os 751 membros do PE – eurodeputados – são eleitos de 5 em 5 anos. Portugal elege 21 eurodeputados, de acordo com o tamanho da nossa população, sendo que um voto em Portugal vale quase o dobro do que um voto na Alemanha: 1 eurodeputado por cada 500.000 habitantes em Portugal vs. 1 eurodeputado por cada 850.000 habitantes na Alemanha.  Assim, apesar de países maiores terem mais eurodeputados (a Alemanha elege 96), podemos dizer que o nosso voto individual conta mais.

Parece complicado? Sim, é muito complexo e difícil de perceber. Mas governar uma união entre 28 países não é tão fácil como governar um só país e a complexidade da UE reflecte isso mesmo.

O que já nos deu o Parlamento Europeu?

É à legislação aprovada no PE que podemos agradecer grande parte do nosso estilo de vida, a começar pela proteção aos consumidores. Podemos andar por toda a Europa e saber que a água que bebemos é limpa, que os produtos electrónicos não vão explodir nas nossas mãos, e que temos direitos se a nossa companhia aérea nos deixar em terra.

Também sabemos que a comida que ingerimos não nos vai envenenar e que teremos acesso rápido a cuidados de saúde em caso de emergência. Por fim, temos acesso a um mercado de trabalho gigante, importantíssimo para quem vem de um país pequeno como Portugal.

Mais recentemente, veio do PE legislação sobre protecção de dados (RGPD), roaming grátis, ou copyright (o famoso Artigo 13 contestado por YouTubers – e quantos destes YouTubers nos ajudam agora a perceber quem são os candidatos que foram a favor do artigo 13?).

O que podemos esperar da próxima legislatura do PE?

Uma das primeiras tarefas da próxima legislatura será a eleição do presidente da Comissão Europeia e a confirmação dos respectivos Comissários. Quando elegemos eurodeputados, eles juntam-se em grupos parlamentares, sendo que cada grupo tem um candidato para substituir Jean-Claude Junker na presidência da Comissão.

As sondagens apontam como favoritos Manfred Weber (apoiado pelo Partido Popular Europeu, grupo do PSD e CDS), Frans Timmermans (apoiado pelo Partido Socialista Europeu, grupo do PS) ou Guy Verhofstadt e Margrethe Vestager, candidatos do grupo liberal ALDE (de que farão parte eurodeputados eleitos pela Iniciativa Liberal). Dado que não se prevê que nenhum grupo tenha maioria absoluta (actualmente o grupo mais representado é o PPE com 28% dos eurodeputados), o nome do próximo presidente sairá de uma negociação entre os partidos mais votados. Por exemplo, na última legislatura, o PPE escolheu o presidente da Comissão e o PSE escolheu o presidente do Parlamento. As contas podem ser baralhadas pelo aparecimento de novas forças políticas como o partido de Emmanuel Macron cuja afiliação ainda não é conhecida – tanto podem votar ao lado do PPE, PSE, ALDE ou outros grupos.

Vamos também ter a aprovação do orçamento da União, decidindo por exemplo se se investe mais dinheiro para fazer chegar o programa Erasmus a mais estudantes ou se se vai apoiar mais projetos contra as alterações climáticas. O tema do Brexit voltará com certeza também ao Parlamento, dado que os acordos comerciais entre UE e países terceiros são negociados pela equipa desta instituição.

Há grandes desafios pela frente: desigualdade social, mudanças climáticas, desemprego e vamos precisar de novas ideias e novas caras para endereçar estes problemas. Para aqueles que apoiam a UE mas se sentem descontentes, há alternativas políticas interessantes fora dos partidos tradicionais, basta ir ler os manifestos eleitorais do movimento Primavera Europeia de Yanis Varoufakis (apoiado em Portugal pelo Partido Livre) ou do Partido Verde Europeu.

Porquê votar?

Devemos resistir à tentação de ligar em demasia esta votação à política nacional sob pena de elegermos eurodeputados sem qualquer mérito porque quisemos castigar ou premiar o governo. Para escolher, temos de nos informar sobre quem defende o quê, o que também nem sempre é fácil. Para começar, o site MEPRanking.eu ajuda-nos a avaliar os candidatos que já estiveram no PE na última legislatura. O site VoteWatch.eu fez também um estudo interessante sobre quem foram os 100 eurodeputados mais influentes no final desta legislatura. Há dois Portugueses na lista: José Manuel Fernandes (PSD) e Marisa Matias (BE), ambos candidatos de novo. O site YourVoteMatters.eu tem um quiz que podemos preencher para saber quais os candidatos cujas opiniões mais se aproximam das nossas. Por fim, nada como ler os manifestos políticos das diferentes candidaturas que podem ser encontrados no site Europeias2019.com.

Esta eleição é especialmente importante por causa do crescimento de partidos anti-Europa que têm capitalizado o descontentamento da população para avançar agendas nacionalistas. Nigel Farage é o caso mais macabro, um político Inglês, grande responsável pelo Brexit, que forma agora um novo partido para concorrer ao PE – a principal instituição da União que ele próprio quer deixar.

Este voto torna-se por isso muito mais do que uma escolha sobre orientações legislativas, é uma escolha sobre a continuidade do projecto da União Europeia. É por isso responsabilidade de todos aqueles que apoiam o projecto de paz, desenvolvimento, e direitos humanos que é a UE, façam a sua voz ouvir. Mais liberais ou mais socialistas, votem em forças que apoiam a União Europeia.

Vale a pena relembrar as palavras de Schuman, na sua famosa declaração de 1950 que é considerada o ponto de partida da União Europeia: “A Europa não se fará de uma só vez, nem numa construção de conjunto: far-se-á por meio de realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto.” Passo a passo, vamos construindo a Europa. O próximo passo toca-nos a todos já no dia 26 de Maio: ir votar.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.

Nuno Carneiro tem 27 anos e é data scientist na Cleverly.Ai, empresa tecnológica sediada em Lisboa. É autor do blog www.BetaGlyph.com, onde publica análises de livros de não-ficção. Tem um Mestrado Integrado em Engenharia Industrial e Gestão pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e foi presidente da European Students of Industrial Engineering and Management.