Ao contrário do continente onde a quase totalidade dos partidos com representação parlamentar vão estrear líderes nas próximas legislativas, nos Açores os dois partidos que aspiram a chefiar o executivo repetem os candidatos ao cargo de Presidente do Governo Regional.

Como é sabido, os Açores detêm a nível nacional uma posição pouco invejável no que concerne ao elevado consumo de álcool per capita, mas não é essa estatística pouco abonatória que vai forçar os eleitores açorianos a beber vinho velho. A responsabilidade reside nos partidos, sobretudo nos dois maiores, pois, apesar da queda antecipada do executivo, o anterior Presidente, José Manuel Bolieiro, mantém-se como cabeça de lista do PSD e o PS volta a apostar em Vasco Cordeiro na esperança de recuperar a liderança política do arquipélago.

O estudo diacrónico da evolução da liderança nos Açores mostra que a mesma tem obedecido a ciclos desde que o arquipélago passou a ser uma Região Autónoma, calada que foi, quase à nascença, a tendência que visava a independência açoriana. Um desiderato que não desagradava totalmente ao vizinho americano. A Base das Lajes e a diáspora açoriana na Terra do Tio Sam como justificação. O mérito da manutenção da integridade territorial do país deve ser atribuído aos dois maiores partidos portugueses a nível nacional porque foram eles que conseguiram atrair os principais protagonistas regionais e transformar a Frente de Libertação dos Açores (FLA) num nado-morto.

Daí que, com toda a naturalidade, um desses partidos, o PPD/PSD, tivesse tido direito a um longo consulado protagonizado por João Bosco Mota Amaral. Por isso, encerrado esse ciclo social-democrata, o PS, pela mão de Carlos César, tomou conta das rédeas do arquipélago para depois as passar a Vasco Cordeiro quando, a exemplo de Mota Amaral, a Assembleia da República passou a ser a sua nova morada política.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Na conjuntura atual, a maioria absoluta não passa de uma miragem e tanto o PS como o PSD estudam as melhores jogadas no complexo tabuleiro de xadrez em que o arquipélago está transformado devido ao surgimento de novos partidos. Partidos que dispõem de reduzida implantação no arquipélago, mas tiram proveito de a lei eleitoral prever a eleição de cinco deputados pelo círculo da compensação. Partidos que dispõem e fazem uso de uma capacidade de chantagem muito superior ao seu real peso eleitoral

Assim, Vasco Cordeiro esforça-se para que não se repita o que lhe aconteceu na eleição anterior, ou seja, vencer, mas não conseguir formar Governo. O problema é que nos Açores é pouco viável uma revisitação da geringonça que conseguiu aguentar a legislatura no continente, pois tanto o Bloco de Esquerda como o PCP evidenciam dificuldades de afirmação na região. Como Paulo Raimundo reconheceu publicamente, há um longo caminho a percorrer, mas a estrada não se apresenta favorável mesmo sem chamar à colação a exiguidade da dimensão das ilhas. Dito de outra forma: os açorianos não revelam simpatia pelas propostas da esquerda radical e da extrema-esquerda.

Por outro lado, Bolieiro não disfarça a vontade de se agarrar à cadeira do Poder, independentemente do preço que isso exija. Algo que não lhe é desconhecido porque o passado recente encarregou-se de lhe mostrar que a queda do seu executivo foi obra dos aliados que escolheu.  E nem será caso para falar de ato involuntário provocado por fogo amigo, pois a queda foi intencional e a amizade nunca existiu.

Para agravar a situação Bolieiro sabe que na conjuntura atual há uma garrafa nova para engarrafar o vinho velho. De facto, um dos outrora aliados, o Chega, como mostram as sondagens, está a subir bastante nas intenções de voto. Um problema porque é conhecida a enorme capacidade de chantagem do partido populista cultural ou identitário. Aliás, a demorada permanência de André Ventura destina-se não apenas a animar as hostes e a convencer os indecisos, mas, sobretudo, a deixar claro às estruturas regionais que dispõem de autonomia decisória limitada. Por isso, se na eleição anterior o Chega obrigou o PSD a cortar o cordão sanitário, na atual conjuntura, as exigências sobem de tom e o Chega reivindica ser parte da solução governativa.

Se essa solução não passará a problema a curto ou médio prazo é algo que, de momento, não incomoda Bolieiro, a menos que a Iniciativa Liberal, que já colocou em causa a pretensão do Chega, vá além daquilo que as sondagens. O importante é manter-se no Poder. Se o Poder, a nível nacional e internacional, é afrodisíaco e justifica quase tudo – que o digam António Costa e Pedro Sánchez – não há razão para que tal não aconteça a nível regional.

Afinal, se os eleitores derem razão às sondagens, o problema com que Bolieiro se vê confrontado passa por ter engenho para engarrafar vinho velho numa garrafa nova. Com a agravante de não contar com a ajuda do gerente da empresa que tem sede no continente. Nada que os estatutos não permitam e que a insularidade não justifique.