À primeira vista, o título pode parecer ofensivo tanto para Rui Rio e Paulo Rangel como para os militantes do PPD/PSD. De facto, qualquer um deles pode considerar infame comparar a disputa eleitoral em curso no partido laranja com um modelo que vigorou durante a República Velha no Brasil. Uma época em que o coronelismo ditava a regra, pois nenhum candidato era eleito ao arrepio da vontade do coronel, o dono das propriedades e dos votos de todos aqueles que aí trabalhavam.

Convém, por isso, esclarecer a opção por um título assumidamente provocatório, mas que não tem a mínima intenção de beliscar a honra dos intervenientes. Limita-se, isso sim, a trazer à colação uma realidade sobre a qual talvez fosse conveniente fazer uma reflexão ou análise crítica.

Assim, os portugueses ficaram a saber que a eleição do Presidente do PPD/PSD conta com um eleitorado de cerca de 46 mil militantes que, por terem as quotas em dia, podem participar no ato. Uma subida de mais de 5 mil inscritos face à eleição de 2019, quando Rio derrotou Montenegro. Uma subida que em muito se ficou a dever à corrida de última hora às caixas multibanco para pagamento das quotas em atraso. A condição sine qua non para exercer o direito de voto.

Daí que, por exemplo, Barcelos tivesse passado a ser a segunda maior concelhia do país no universo militante laranja com direito a voto. Isso mesmo. A terra do galo só fica atrás do concelho da capital do país no que concerne aos militantes do PSD que podem participar na eleição marcada para o próximo dia 27 de novembro. Um dado estranho tendo em conta que Barcelos está longe da dimensão populacional de outros concelhos, designadamente de Braga, a capital do distrito, onde, nas últimas eleições autárquicas, o PPD/PSD, em coligação com o CDS-PP, obteve 40.585 votos enquanto em Barcelos só logrou 33.753 votos. Uma diferença de quase 7 mil votos.

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Porém, não foi apenas a concelhia de Barcelos que foi afetada pela onda laranja. Que o digam Rio Maior, Viseu, Vila Real e tantos outros concelhos espalhados por todo o país. Concelhos onde, no número não despiciente de casos, pontuam nomes sonantes afetos a Rio ou a Rangel.

Ora, é essa circunstância que explica a opção pelo título desta crónica. Sendo verdade que o voto é secreto e representa uma escolha individual, a vida habitual ensina que os dirigentes locais acabam por condicionar em larga escala o sentido de voto. Uma realidade que aprendeu a conviver com exceções – afinal o PPD/PSD não é um partido de massas ou de voto de braço no ar –, mas que dita a lei. Dito de uma forma mais clara: se o Presidente da concelhia aconselhar o voto em Paulo Rangel, poucos serão aqueles que ousarão contrariar essa indicação e optar pela votação em Rui Rio. Como é óbvio, o mesmo se passará se a indicação de voto recair sobre Rio.

Face ao exposto, mesmo tendo em conta que qualquer um dos nomes sonantes de cada concelho não dispõe da capacidade efetiva dos antigos coronéis, poucas dúvidas restam de que na atualidade ainda permanecem resquícios desse poder centralizado numa figura. Uma situação exponenciada quando o consenso à volta dessa personalidade decorre do ativo resultante da sua posição social momentânea ou está ligado ao respeito acumulado por uma longa estória familiar na região. Uma realidade que está longe de se circunscrever ao PPD/PSD, pois faz parte do quotidiano dos partidos de elite, de notáveis e de quadros.

A azáfama que se sente em muitas concelhias do partido laranja constitui o mais recente exemplo de que a democracia ainda não logrou enterrar todas as marcas do voto de cabresto. A lei quis apagá-las. A realidade insiste em lembrá-las.