Portugal não ficou pronto num ápice como qualquer móvel do IKEA. Teve que ser reinventado várias vezes, pelo menos umas quatro.
Começou como uma insensatez de Afonso Henriques enquanto jovem e de alguns companheiros de esturdia portucalenses e conimbricences. Curiosamente vingou. Contra todas as probabilidades e os poderes estabelecidos daquele tempo: a senhora condessa sua mãe, o primo de Leão e o califa Abu Iacube Iuçufe.
Em 1383 o país, praticamente perdido pelos sensatos, foi reinventado por Nuno, o filho bastardo de um frade. Que ainda não era herói, nem muito menos santo, mas um visionário intuitivo e com muito mau feitio. A reinvenção foi tão atrevida que o irrisório Portugal, cem anos depois, chegava ao Japão e fechou o Índico à navegação alheia. Foi o nosso primeiro império, o do Oriente.
Em 1640, acabrunhados na União Europeia dos Habsburgo, fomos reinventados por alguns frades loucos de Alcobaça (Bernardo de Brito e António Brandão, autores da “Monarquia Lusitana” e dos mitos fundacionais das Cortes de Lamego e de Ourique) que descobriam milagres novos em livros antigos. E por 40 fidalgos encalorados que gostavam muito de abrir as janelas. Embalados, forjámos no Brasil e Atlântico Sul o segundo império, que certo padre Vieira, genial a escrever mas fraco em contas, anunciou ser o Quinto.
Em 1890, o nosso Rei Artur (por engano baptizado como Carlos) encarregou os cavaleiros da sua Távola Redonda de conquistarem um império capaz de nos livrar dos pérfidos Mordreds da finança europeia. Tais cavaleiros chamavam-se Mouzinho, Paiva Couceiro, Aires de Ornelas, Azevedo Coutinho e alguns mais cujo nome não recordo. E assim se voltou a reinventar Portugal e um terceiro império, o Africano, que ainda existia quando eu era pequeno.
Hoje não inventamos nada. Fartámo-nos de sonhos e quimeras e fantasias. Somos descrentes de Távolas Redondas, de Reis Artures ou Sebastiões, de Quintos Impérios e de reinvenções!
Práticos, realistas, muito orçamentais, agora queremos é sensatez e comidinha na mesa. Ansiando por qualquer Mordred, filho desnaturado do Rei Artur e traidor à pátria, que venha oferecer-nos sopas a fundo perdido – que é como quem diz, em troca de soberania.