A pandemia mostrou a força e a fragilidade das cadeias de produção globais. Por um lado, seria impensável há umas décadas fechar grande parte da economia mundial sem haver uma queda brutal no fornecimento de bens e serviços. E não foi isso que aconteceu. As cadeias de transmissão globais permitiram que, enquanto alguns países eram obrigados a fechar as suas produções de bens e serviços, a produção ia reabrindo noutros, sendo distribuída internacionalmente.

Por outro lado, a recente crise sobre a produção e distribuição das vacinas da COVID-19 trouxe à tona de água o debate sobre a autonomia de bens essenciais estratégicos, que já tinha sido iniciado quando as necessidades de material de proteção individual dispararam, logo no início da pandemia.

O receio sobre as cadeias globais é compreensível porque não estão isentas de fragilidades. Por exemplo, a insuficiente produção de semicondutores para fazer face ao aumento da procura está a afetar a nível global a produção de computadores, telemóveis, automóveis, eletrodomésticos, o que conduziu o Presidente Biden a implementar medidas para aumentar a produção de semicondutores nos Estados Unidos. Esta semana, a resiliência do comércio global está também a ser duramente testada pelo cargueiro encalhado à entrada do Canal de Suez por onde passa mais de 10% do comércio marítimo global.

Note-se que a tendência de aumento do protecionismo já vem de trás. Apesar do comércio mundial continuar a expandir-se, vários países avançados têm procurado criar obstáculos às importações. Segundo o índice do Instituto Fraser, que mede a liberdade económica numa escala de 0 a 10, entre os anos noventa e o princípio dos anos 2000, em dois dos cinco países economicamente mais livres, os Estados Unidos e a Suíça, a liberdade comercial desceu de mais de 9 para 7 valores.

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Assim, aumentar a produção local e nacional, especialmente de bens essenciais no âmbito da saúde ou até da defesa nacional, parece ser um desejo comum a várias regiões.

Contudo, a noção de autonomia na produção de bens estratégicos pode ser enganadora. Sem a possibilidade de importar esses bens de forma rápida e barata, um desastre natural ou um acidente numa fábrica nacional pode tornar um país totalmente vulnerável. A diversificação da produção através das cadeias globais de produção reduz o risco de falhas de fornecimento para cada país individualmente.

As cadeias globais de produção podem ter fragilidades, mas têm sido resilientes e a sua flexibilidade tem permitido evitar desastres maiores. Sem elas, os custos de muitos bens e serviços seriam muito mais elevados. Por exemplo, a distribuição massiva de máscaras a partir da China permite que os preços sejam baixos e acessíveis a todas as camadas da população.

Mas o argumento a favor da globalização não se reduz meramente a uma comparação de custos e benefícios. Não podemos esquecer que o comércio internacional é responsável por ter tirado milhões de pessoas da pobreza desde os anos oitenta, sobretudo em países com baixo e médio nível de desenvolvimento. O retrocesso da globalização não só afetaria negativamente as novas classes médias em vários países da Ásia e da América Latina, mas condenaria também a África, que beneficiou apenas 2 a 3% das cadeias globais do comércio, a continuar presa na armadilha da pobreza.