Janeiro de 2025. Diante de nós estende-se um mundo novo. Não no sentido político, porque o futuro continua a escapar aos diversos determinismos, mas no sentido de um renovado jogo de “go”, onde se mantiveram as peças no seu lugar do tabuleiro, e mudaram os jogadores. Em Bruxelas ou em Estrasburgo aguardam-se com preocupação os primeiros movimentos da nova equipa governamental americana. Sentem-se novidades no ar e não se arriscam previsões.
Poder-vos-ia dizer que todos os problemas são oportunidades. Que as crises transportam em si as próprias soluções. Um sem número de frases feitas que nada acrescentam, porque a parte mais ingrata da situação que vivemos é a dependência, a espera e a falta de iniciativa. A União Europeia está à espera, e Portugal pela sua dimensão, está ainda à espera de quem também está à espera. Sem iniciativa e sem rasgo.
O “guarda-chuva” americano foi decisivo para a Europa desde 1945, e permitiu-lhe reconfigurar-se. Recuperar das feridas da guerra e mais tarde criar a União Europeia como um espaço económico coeso de dimensão global. Permitiu estender a União para leste fazendo-a quase coincidir com a europa geográfica. Muitos amanhã foram cantados, em particular na Declaração de Lisboa, como não poderia deixar de ser.
Idealizou-se uma influência mundial baseada em princípios eticamente exigentes, em responsabilidade social e ambiental, levando-se ao extremo a regulação das atividades económicas, e acompanhando muitos dos excessos americanos na esterilização do discurso social. Produziram-se milhares de normas, algumas positivas, de que é exemplo recente a uniformização dos carregadores de dispositivos móveis, mas também muitas outras bizantinas, como as que dizem respeito aos “cookies” que infernizam os utilizadores da internet, e aos atilhos das tampas das garrafas. Sempre pelas melhores intenções e sempre sem avaliação dos custos de contexto a que dão origem.
Longe do escrutínio público, as iniciativas europeias cresceram em direções nunca antes esperadas, chegando ao nível da inutilidade mais evidente. Os discursos empolgados e os sucessos da desagregação da União Soviética, da integração alemã, e da aceitação generalizada do modelo político da democracia liberal, que levou ao conceito de fim da história política, criou uma ilusão retórica cujos alicerces foram sendo corroídos pela perda relativa de importância em termos de capacidade de inovação e da sua incorporação no tecido económico face aos outros blocos geopolíticos. Pela dificuldade de competir em tecnologia associada a produtos de grande consumo. Já quase ninguém se lembra dos primeiros telemóveis europeus e da competição “taco a taco” que então se vivia.
A invasão da Ucrânia pôs “a nu” muitas das fragilidades do “velho continente” na energia e na defesa, bem como a irrelevância da sua diplomacia arrastada para uma guerra a que não se conseguiu antecipar, e cujo futuro lhe escapa. A necessidade da descarbonização tornou clara a dependência no acesso a matérias-primas, e a dificuldade em bater-se de igual para igual com os outros blocos geopolíticos no xadrez da exploração geológica planetária. O incomparável património europeu de arte, cultura e ciência que espalhou por cinco continentes e dominou o entendimento do mundo, parece hoje insuficiente para os desafios que se aproximam. Podemos continuar a ouvir Mozart e Beethoven nos quatro cantos do planeta, mas hoje cada um dos países europeus encolhe até à sua real dimensão geográfica. Sobra o cansaço e predomina a expetativa.
Não penso ter sido o esforço do alargamento que está a exaurir a Europa, nem sequer o afastamento do Reino Unido numa amputação que não beneficiou nenhuma das partes. Foi mais a dificuldade de terminar a sua adolescência, de sair de casa dos pais e ir à luta.
Poucas situações políticas são mais penosas que a francesa, país de onde saiu uma parte importante da cultura e da ciência europeias, que esteve na primeira linha da tecnologia nuclear, da aviação, dos comboios de alta velocidade, dos telemóveis ou mesmo da informática, pátria de empresas globais e de ideias fortes, e que hoje se dilacera internamente sem cessar. Ou a Alemanha, a locomotiva económica, onde as opções tomadas pelas várias famílias políticas sobre a energia ou a indústria, aceleraram o esgotamento de um modelo de crescimento que foi mais baseado no esforço e na capacidade de sofrimento que na ambição. Esquecemo-nos que o modo de vida europeu tem de ser defendido. E parece faltar a energia para o fazer e unidade de pensamento e de ação: enquanto os países do Norte se preparam para a eventualidade de uma guerra nuclear, o sol que nos ilumina, mesmo nos meses mais frios, permite-nos acalentar a ilusão de um futuro risonho.
A União parece presa no seu labirinto. Sem capacidade de negociação que se não baseie apenas na “venda” do acesso ao seu mercado interno para a expansão económica de outros. Sem iniciativa estratégica dos Estados, presos que estão numa estrutura de custos que assegura quase só salários e que são agora chamados a assumir responsabilidades com a sua defesa. A escolher entre a abertura económica ou o protecionismo. A ter de encontrar amigos que o sejam mesmo nos dias difíceis. A sofrer todas as dores do crescimento.
Os Europeus estão como os noivos no dia do casamento, só que já gastaram o enxoval e faltam as prendas de familiares e amigos. E ao contrário dos noivos têm perspetivas bem sombrias para a noite que se aproxima. Estão enfim sós.