Há muitos anos que a ciência económica se debruça sobre a questão da relação entre o crescimento económico e a equidade na distribuição do rendimento e da riqueza. Do ponto de vista teórico, sabemos que a desigualdade pode afectar o crescimento através de vários canais, com impactos positivos e negativos. A análise empírica realizada tem, ao longo do tempo, levado a resultados variados, mesmo díspares. Uma regularidade que tem emergido da análise prende-se com a constatação de que o impacto da desigualdade no crescimento é mais marcado em países em desenvolvimento, onde o stock de capital humano é mais reduzido e onde, por isso, as restrições nessa variável tendem a impactar mais o processo de acumulação de riqueza.
Há literatura que mostra (c.f, Neves, Pedro Cunha, Óscar Afonso e Sandra Tavares da Silva, 2016, A Meta-Analytic Reassessment of the Effects of Inequality on Growth, in: World Development, Vol.78, No. C, pp. 386−400) a existência de um padrão temporal nesta relação entre crescimento e equidade: nos anos 1990 a maioria dos estudos mostrava uma relação negativa entre as variáveis, ou seja, procurar maior equidade restringia o crescimento; após 2000, a maioria dos estudos passaram a indicar uma relação positiva. O próprio FMI, assim como a OCDE, publicaram estudos em que se defendia que a desigualdade afecta negativamente o crescimento enquanto que medidas redistributivas—por exemplo, aumentando a progressividade dos impostos directos—não têm de ter impactos negativos sobre o crescimento da economia.
Estes resultados de estudos empíricos têm levado estas instituições a centrar-se cada vez mais nas questões da redistribuição, identificando mesmo o seu combate como um instrumento eficaz no crescimento e desenvolvimento das economias, contrariamente ao que defenderam no passado e ao que nos diz a generalidade da teoria, identificando tradicionalmente um trade off entre crescimento e equidade. Vários economistas têm centrado as suas propostas de política nesta nova relação, sugerindo que a política económica não perca de vista a redistribuição como mecanismo promotor do crescimento e da prosperidade. Em vez do habitual crescer para poder redistribuir, foram esticando o argumento contrário propondo que se redistribua para crescer.
Acontece, porém, que análises mais recentes, donde destaco o trabalho de Galina Kolev e Judith Niehues, apontam para uma clarificação mais em linha (pelo menos, em parte) com aquilo que tem sido a visão prevalecente até aos anos 2000. Não só identificaram problemas de robustez nos métodos de estimação utilizados (cf, G Kolev e J. Niehus, The inequality-growth relationship: An empirical reassessment, IW-Report, No. 7/2016, Institut derdeutschen Wirtschaft (IW)) como, usando dados relativos à OCDE e a uma série de países em desenvolvimento, demonstraram que a aplicação dos métodos anteriormente usados conduz a fortes enviesamentos como também mostram que a relação negativa entre desigualdade e crescimento resulta da existência na amostra dos antigos países socialistas europeus que conjugam níveis relativamente baixos de desigualdade para os níveis de desenvolvimento de onde partiram. Mostram ainda que a relação é não-linear, no sentido em que a relação entre desigualdade e crescimento só parece ser negativa nos estádios iniciais do desenvolvimento e que se atenua ou mesmo muda de sinal quando os países atingem determinados níveis de desenvolvimento, assim como em geral para níveis não muito elevados de desigualdade.
Isto é, ao contrário do que têm dito o FMI e a OCDE, não é claro que promover mais redistribuição gere por si maior crescimento. Para um país como Portugal, os dados do estudo—em que Portugal está incluído—apontam para a prevalência da situação contrária. Ou seja, usar mecanismos fiscais para maior igualdade, podem ser uma opção política ab initio, mas não é razoável afirmar-se com segurança que são indutores do crescimento. Pelo contrário, estamos numa situação em que poderemos colectivamente decidir fazê-lo mas o argumento tem de ser outro que não o da promoção de maior crescimento. Se quisermos crescer continuamos a ter de apostar naquilo em que temos falado, nomeadamente na atração de capital produtivo, na criação de instituições fortes, na promoção da concorrência e na redução dos gaps de competências que mantemos.