Discriminar:
1981-Dicionário da Língua Portuguesa, 5ª edição, Porto Editora: “diferenciar; distinguir; separar; destrinçar; discernir”
2023-versão online do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, disponível em https://www.infopedia.pt/: “diferenciar; distinguir; destrinçar; discernir; separar; especificar; tratar de forma desigual e injusta (pessoa ou grupo de pessoas); segregar”

No passado dia 29 de Junho, o Supremo Tribunal dos EUA considerou inconstitucional a prática de algumas universidades americanas terem critérios de admissão diferentes conforme a cor da pele ou a origem étnica dos candidatos. Esta prática, denominada “affirmative action”, era apresentada como uma forma de compensar a discriminação negativa do passado, presente e futuro que os candidatos com essas características sofreram, sofrem e sofrerão. Mas um americano, branco, chamado Edward Blum, que se sentiu prejudicado pelos critérios de admissão mais exigentes que lhe foram aplicados pela sua cor de pele, interpôs uma acção por considerar que a “affirmative action” violava a constituição americana. O Supremo Tribunal deu-lhe razão.

Claro que todas as notícias sobre esta decisão do tribunal se esforçaram por dissecar não os argumentos a favor e contra este resultado, mas antes o facto de seis dos juízes serem de direita (também denominados republicanos ou conservadores) e três serem de esquerda (chamados democratas ou progressistas), realçando que os seis de direita votaram a favor do fim desta prática, e os três de esquerda votaram contra. Como se esta decisão fosse apenas a conclusão de um jogo político entre republicanos e democratas e não algo de muito mais profundo e importante.

Afinal, o que é discriminar? E quando é que uma escolha deixa de o ser e passa a ser discriminação?

A Constituição Americana, através da sua 15ª emenda, de 1870, impede que se negue a alguém o direito ao voto, baseado na sua raça, cor ou estado prévio de servidão. A Constituição do Connecticut afirma por sua vez que ninguém pode ser discriminado no exercício ou gozo dos seus direitos cívicos ou políticos devido a religião, raça, cor, ascendência, origem nacional, sexo ou incapacidade física ou mental. Ou seja, parece que discriminar se relaciona com tratar alguém de modo diferente devido a características dessa pessoa no âmbito de raça ou cor, religião, sexo, origem, incapacidade, e isto especificamente no que respeita aos seus direitos cívicos ou políticos.

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O que é discriminação e o que é simplesmente uma escolha, uma selecção? Vejamos alguns exemplos.

Imaginemos que vou escolher alguém para jogar na minha equipa de futebol. Tenho dez candidatos e decido escolher um que me parece ser o melhor jogador, pela sua altura, velocidade, força, capacidade de fintar, visão de jogo, seja o que for. Alguém considera que a minha escolha desse candidato e exclusão dos outros é discriminação? Penso que não. Todos vão aceitar que se tratou de uma escolha, baseada naquilo que eu considero serem as melhores competências do indivíduo para o papel ou cargo que lhe é destinado.

Agora mais difícil. Imaginemos que tenho uma creche e vou contratar alguém como educador para uma das salas. Tenho dois candidatos igualmente qualificados, e com experiência prévia idêntica. São iguais em tudo. Excepto numa coisa. Um é homem e o outro é mulher. E acontece que eu, como dono da creche e responsável pela decisão de escolher entre os dois candidatos, considero que os pais   das crianças da creche (e eu próprio) estarão mais confortáveis com uma educadora do sexo feminino. E eu penso até que as mulheres, pela sua natureza, são tendencialmente melhores como educadoras de uma sala de uma creche do que os homens. E desconheço casos de pedofilia perpetrados por mulheres. E assim escolho a mulher, unicamente pelo seu sexo. É discriminação ou é uma escolha que depende das presumidas competências do indivíduo para o papel ou cargo que lhe é destinado?

Outro. Um padre cristão católico está a contratar alguém para secretariar uma paróquia cristã e católica em Portugal e tem de escolher entre três candidatos que são equivalentes em tudo, excepto no facto de um ser cristão católico, outro ser cristão protestante e o último ser muçulmano. Então, se o padre escolher o candidato que é católico, unicamente por essa sua característica, isso é uma escolha, baseada nas características adequadas ao cargo, ou é uma discriminação porque é baseada na religião?

Mais um. Um treinador de uma equipa de basquetebol tem dois candidatos para entrarem na equipa que, mais uma vez, são iguais em tudo, na estatura, nas suas capacidades técnicas e tácticas como jogadores, experiência prévia, etc. Só são diferentes numa característica: um deles é de ascendência africana, de pele bem escura, e o outro é finlandês, daqueles loiros de olhos azuis e com pele quase sem melanina. O treinador decide excluir o escandinavo apenas pela cor da sua pele e a sua ascendência e origem geográfica, pois. É uma escolha legítima, ou discriminação?

António Damásio, no seu livro “O Erro de Descartes”, expõe de forma clara a forma como nós, enquanto seres humanos, estamos programados para avaliar e julgar tudo, situações, objectos, animais e outros seres humanos, e fazê-lo constantemente e com rapidez. É impossível e desprovido de racionalidade querermos mudar essa característica essencial, primordial, da nossa espécie. Podemos tentar melhorá-la, ajustá-la, mas não reduzi-la a zero. Iremos sempre avaliar, julgar e depois escolher, baseados nessa avaliação e julgamento.

Devemos procurar que as escolhas sejam feitas de acordo com as capacidades e características de cada um, enquanto pessoa e ser humano, e o cargo ou função para o qual vai ser seleccionado. E pode haver situações em que é lícito que o sexo, a religião ou a origem cultural ou geográfica sejam características a ter em conta e a influenciarem essa escolha. O que é importante é que sejam evitadas ou impedidas escolhas baseadas em algo que nada tem a ver com a função ou o cargo. Porque isso sim é discriminação.

E é por essa razão que foi considerado ser discriminação a selecção de alunos para uma universidade  americana baseada na cor da pele ou na origem geográfica ou étnica, permitindo notas de acesso mais baixas aos de ascendência africana, e obrigando a notas mais elevadas aos de ascendência europeia e ainda mais elevadas aos de origem asiática.

Escolha ou discriminação? Que cada um de nós pense cuidadosamente por si mesmo.