Começou oficialmente esta semana a campanha eleitoral para as eleições do próximo dia 23 de Julho em Espanha. Até ao momento em que escrevo, a campanha eleitoral tem sido, acima de tudo, feia, vazia e altamente polarizada. Deixo algumas notas de como tenho visto os acontecimentos a partir de Madrid.

1A campanha do PSOE tem dois objectivos claros. Em primeiro lugar, seguindo a estratégia de António Costa em Janeiro de 2022, acenar com o perigo da subida do Vox ao poder numa coligação com o PP. O partido de Abascal tem facilitado a vida à esquerda, fazendo propostas que são, no mínimo, reaccionárias e, em muitos aspectos, um retrocesso civilizacional, como por exemplo, pretender terminar com o acesso ao aborto, terminar com as quotas na política e eliminar garantias de protecção a vítimas de violência doméstica. O PSOE procura relembrar ao eleitor médio que um voto no PP significa, na prática, um voto no Vox, uma estratégia, de resto, já ensaiada em actos eleitorais recentes e que não funcionou. Em segundo lugar, Sanchéz não se cansa de sublinhar os bons resultados económicos da sua governação. De facto, o desemprego está em níveis historicamente baixos, o crescimento económico é relativamente forte e o governo aprovou algumas leis populares, como a mais recente lei da Habitação. Em circunstâncias normais, estaria muitíssimo bem posicionado para ser reconduzido enquanto primeiro-ministro. Todavia, a campanha do PSOE tem debilidades. Em primeiro lugar, Sanchéz é uma figura extremamente polarizadora, incluindo dentro do próprio partido. Depois de ter cruzado todas as linhas vermelhas que havia dito que não cruzaria, como, por exemplo, coligar-se com partidos regionalistas pouco recomendáveis, Sanchéz tornou-se persona non grata em alguns segmentos do PSOE. Quase todos os dias surgem senadores do partido a diminuir e a atacar o actual secretário-geral. À excepção de Zapatero, que deu uma longa entrevista ao El País onde apoiou Sanchéz de forma clara, o partido encontra-se fragmentado internamente. A noite das facas longas aproxima-se. Em segundo lugar, apesar de ser muito bom em campanha, a imagem de Sanchéz está desgastada. Depois de quase seis anos no governo, o primeiro-ministro surge como uma figura com pouco para oferecer. Para além disso, o debate de segunda-feira passada correu muitíssimo mal a Sanchéz. O candidato do PSOE apareceu muito nervoso num claro contraste com a calma olímpica de Feijóo. O debate foi substantivamente muito fraco de parte a parte. Se algum espanhol estava à procura de propostas de políticas públicas para os próximos anos, nem Sanchéz nem Feijóo ofereceram algo remotamente parecido durante o debate.

2Por seu lado, Feijóo tem feito uma campanha tranquila, mas, ao mesmo tempo, vazia, beneficiando claramente do momentum de quem está à frente nas sondagens. Idealmente, as eleições seriam já amanhã e a campanha eleitoral deveria passar num ápice e, especialmente, sem incidentes. Não por acaso Feijóo apenas aceitou um debate na televisão com Sanchéz, apostando, pelo contrário, em contactos com a população, enchendo muitas praças de touros pela província fora. Depois de um arranque relativamente tíbio, a campanha do PP conseguiu, pelo menos mediaticamente, recentrar Feijóo como um Galego algo cinzento e chato, mas centrista e pragmático. No Dia do Orgulho, em Madrid, a sede do PP na Calle Génova encheu-se com um cartaz em que o partido surgiu claramente a apoiar a causa LGBTQIA+, deixando para o Vox o papel de reaccionário de direita. O programa eleitoral do PP propõe uma profunda reforma fiscal com cortes para os mais ricos e, ao mesmo tempo, recolocar o castelhano como língua oficial única do país. Ao longo da campanha, Feijóo tem sido confrontado sistematicamente com o que fará no dia seguinte caso não tenha maioria absoluta. Apesar de ter usado o truque retórico de que pedirá aos barões do PSOE para viabilizarem um partido minoritário do PP, em minha opinião, fará um acordo com o Vox sem hesitar. Ficar a marinar num governo minoritário ao qual o PSOE pode, a qualquer momento, retirar o apoio e obrigar a novas eleições é demasiado perigoso. De resto, como as coligações regionais mostram, não será difícil a PP e Vox chegarem a entendimentos.

3A campanha pelo terceiro lugar, na luta entre Sumar e Vox, está ao rubro e, possivelmente, é o elemento mais interessante — e determinante – de seguir desta campanha. Muito provavelmente, o bloco que conquistar o terceiro lugar determinará quem ocupará a Moncloa nos próximos anos. Se Yolanda Díaz conseguir que o Sumar fique em terceiro lugar, Sanchéz, muito provavelmente, será novamente primeiro-ministro. Pelo contrário, se Abascal fizer do Vox a terceira força mais votada, o PP chegará ao poder. Yolanda Díaz cometeu alguns erros no início da campanha, como, por exemplo, a promessa de entregar a cada jovem espanhol 20 mil euros ao fazer 18 anos, que seria financiada, de acordo com o Sumar, com um imposto anual de 10 mil milhões sobre as grandes fortunas. Para além disso, dentro do Sumar, existem ainda forças do Podemos que têm posições sobre a Guerra da Ucrânia parecidas com as do PCP. Do ponto de vista da conversão de votos em mandatos, o Sumar pode revelar-se um verdadeiro sucesso, fazendo aquilo que o próprio nome indica. Fora dos grandes círculos eleitorais, o Sumar pode permitir que a esquerda consiga, com um número de votos relativamente semelhante às últimas eleições, ter um bónus de mandatos que pode fazer a diferença na definição de quem ganha as eleições. O número de votos desperdiçados será muito menor do que o habitual. Pelo contrário, Abascal encontra-se numa situação mais difícil, na medida em que, aparentemente, Vox e PP são dois vasos eleitorais comunicantes. Idealmente para o Vox, o PP conseguiria ir buscar votos ao centro, enquanto o Vox abarcaria a direita e a direita mais radical. Aquilo que está a acontecer, pelo contrário, é que a subida do PP está a ser feita, em grande medida, à custa do Vox. A definição do terceiro lugar será crucial para o futuro de Espanha. Para além disso, em caso de uma coligação à direita, a força do Vox ditará a sua capacidade negocial.

4Para além dos grandes partidos nacionais, importa ainda falar dos partidos regionalistas. Na Catalunha, a suposta maioria silenciosa que os independentistas diziam existir, parecia estar definitivamente terminada. Pela primeira vez em muitos anos, PP e PSOE estão claramente à frente nas sondagens naquela região, relegando os partidos independentistas para um longínquo terceiro lugar. Por um lado, isto é uma excelente notícia para Espanha, na medida em que uma nova tentativa de secessão abriria uma crise constitucional muito dura e, aliás, difícil de compreender num mundo crescentemente cosmopolita e integrado. Por outro lado, se estiverem numa perda acelerada, e se a direita chegar novamente ao poder em Madrid como parece provável, as elites do procés podem clamar novamente contra o fascismo madrileno para esconderem os seus próprios falhanços. Já o fizeram para esconder a corrupção desenfreada do CiU e de Artur Más. Não vejo porque não o possam fazer novamente. Esperemos que, caso isso aconteça, os moderados Catalães, assim como um potencial governo Feijóo saibam ter a firmeza para não entrar em novas aventuras.

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