Nasci em 1985. Cresci num Portugal em transição para um modo de vida moderno e europeu, à boleia dos fundos da CEE. Quem cresceu naquele tempo lembra-se da energia no ar. O país abria-se ao mundo e as oportunidades surgiam — e, claro, as expectativas subiam em flecha, entre negócios a prosperar e escolas a abrir. As famílias de avós analfabetos viam os netos a completar a escolaridade secundária e a abraçar a promessa do ensino superior, que na realidade era a promessa da ascensão social. Naqueles anos 90, Portugal era ainda um país atrasado, tacanho e desigual — mas era também um país onde todos olhavam com optimismo para o futuro porque, simplesmente, todos acreditavam que viver melhor estava ao seu alcance.

Por comparação, o Portugal de hoje está irreconhecível. Por um lado, ainda bem — a ambicionada melhoria nas condições de vida cumpriu-se: os índices de desenvolvimento social e económico melhoraram extraordinariamente, elevando o nível de vida e de bem-estar dos portugueses. Basta observar as qualificações das novas gerações ou constatar como evoluiu o conceito de pobreza, já longe da miséria dos bairros sem saneamento básico que marcava a paisagem suburbana há 30 anos. Por outro lado, ainda mal — esvaziaram-se as expectativas sobre o futuro. As famílias olham para os filhos sob a perspectiva angustiada de que viverão pior do que os seus pais. Aliás, os inquéritos de opinião retratam esse desencanto quanto ao futuro: a ascensão social parece inatingível, os desafios sociais parecem inultrapassáveis, os bloqueios do regime democrático parecem irresolúveis, o país parece à deriva e sem aspirações. Ao contrário do Portugal dos anos 90, falta algo em que acreditar.

A minha geração, a que tem agora entre 30 e 40 anos de idade, ficou a meio. Cresceu no optimismo, sob a promessa de prosperidade para a então “geração mais qualificada de sempre”, mas entrou na idade adulta já num país estagnado e em crise. A entrada no mercado de trabalho coincidiu com a crise das dívidas (2008-2009), com a bancarrota nacional (2010-2011) e com o programa de ajustamento financeiro imposto pela troika (2011-2014). Foi, nesse sentido, a geração que iniciou a nova tendência de perda de qualidade de vida, porque cercada por salários baixos, recibos verdes e instabilidade profissional — às quais se juntam hoje inflação, custos insustentáveis na habitação, estagnação salarial e aumento generalizado do custo de vida. Olho à minha volta e vejo as consequências dessa razia: muitos amigos emigraram, outros sobrevivem por cá em empregos mal remunerados, só uma minoria se estabeleceu profissionalmente. Ninguém quer que os filhos fiquem em Portugal e, de uma forma ou de outra, todos os preparamos para a emigração.

Das crises económicas à inflação e ao aumento no custo da habitação, a ideia de que as gerações mais jovens viverão pior que os seus pais espalhou-se como um vírus. Está nas sombras do debate político em todos os países ocidentais. E aprofundou-se especialmente em países como Portugal, onde o imobilismo e uma economia encostada ao Estado geraram perda de riqueza e competitividade. Mais: os seus efeitos alargaram-se à vida política e partidária. Em grande medida, esse choque entre expectativas e realidade tem promovido transversalmente o surgimento de populismos de esquerda e de direita, que exploram o desencanto das populações e a incapacidade dos regimes democráticos em renovar-se ou construir soluções — eis descodificada a ascensão eleitoral do Chega. Daí que o desafio seja político nos dois sentidos: na doença, porque compete às lideranças políticas criar uma saída reformista para este marasmo, e no sintoma, porque essa ideia de um futuro pior deu palco ao populismo, uma semente destrutiva de uma sociedade aberta e plural.

Por tudo isto, o estado da nação é um estado de decepção. A dos mais velhos, que não conseguem proporcionar aos filhos as oportunidades de que usufruíram. A dos mais novos, que estudam e investem num futuro que vislumbram muito aquém das suas expectativas. E a de um país inteiro, que olha incrédulo para a nossa classe política, com evidente falta de nível e incapaz de indicar um rumo. Neste estado de decepção, o ponto a que chegámos coloca-se já muito além da necessidade de reformas estruturais, que desbloqueiem sectores-chave, como a educação ou a saúde. Hoje, o que Portugal urgentemente precisa é de uma liderança política que lhe dê algo em que acreditar. É só isto, porque isto é tudo — nenhum país é viável sem acreditar que viver melhor é possível.

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