1 O desempenho dos alunos portugueses (15 anos de idade) no PISA 2022 caiu acentuadamente em comparação com a edição anterior (PISA 2018). Caiu nas três áreas de literacia que o PISA avalia (Leitura, Matemática e Ciência). E caiu com particular gravidade em Matemática (-20 pontos) e Leitura (-15 pontos). Apesar de Portugal permanecer no grupo de países que estão na média da OCDE, esta queda de resultados representa uma derrocada sem precedentes nos resultados dos alunos portugueses e justifica preocupação sobre o estado actual da aprendizagem nas escolas portuguesas.

2 Na escala do PISA, 20 a 25 pontos é o intervalo que corresponde à aprendizagem ao longo de um ano lectivo inteiro. Ou seja, a tradução dos resultados do PISA 2022 faz-se assim: em termos de aprendizagem, é como se os alunos de 15 anos em 2022 tivessem frequentado menos um ano lectivo do que os alunos de 15 anos que realizaram o PISA em 2018. Creio que isto traduz bem a seriedade destes resultados — não estamos perante uma queda normal, nem perante o exagero de investigadores fixados nos dados, mas sim face a resultados que alertam para um retrocesso histórico na aprendizagem.

3 Mais um indicador para se compreender a seriedade deste retrocesso: o PISA 2022 apresenta os piores resultados desde o PISA 2006. Nos últimos 15 anos, habituámo-nos a ouvir falar de Portugal como uma história de sucesso na Educação, devido à extraordinária melhoria dos alunos portugueses nas avaliações internacionais, com destaque para o PISA — na edição de 2015, Portugal colocou-se acima da média da OCDE. Ora, o PISA 2022 devolve Portugal a níveis de desempenho referentes ao período 2006-2007, retrocedendo no caminho positivo percorrido. A história de sucesso eclipsou-se.

4 A pandemia teve um tremendo impacto negativo na aprendizagem. Sem surpresa, isso manifesta-se no PISA 2022: a larga maioria dos países observou uma queda nos desempenhos dos seus alunos. Em média, na OCDE, os desempenhos em Leitura diminuíram -10 pontos e em Matemática diminuíram -15 pontos. Ou seja, Portugal não caiu sozinho, mas sim acompanhado da maioria dos países da OCDE. Só que a queda dos alunos portugueses foi mais acentuada do que a queda média da OCDE: -15 pontos em Leitura e -20 pontos em Matemática. Esta constatação sugere que algo correu pior em Portugal. Até porque, como lembra a OCDE, há factores nacionais, para além da pandemia, a influenciar os resultados.

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5 Há uma outra razão para não responsabilizar (apenas) a pandemia pela queda de resultados em Portugal. Olhando para a série das avaliações PISA desde 2000, observa-se que Portugal atingiu um pico de desempenho em 2015, após o qual os resultados começaram a cair (PISA 2018 e PISA 2022). Ou seja, a queda de resultados dos alunos portugueses iniciou-se antes da pandemia e foi, depois, acentuada pela pandemia. Há, portanto, dois movimentos de descida: um que é causado por opções de política pública (que se tinha começado a manifestar no PISA 2018) e outro que é provocado pelo contexto da pandemia. No PISA 2022, quanto da queda de desempenhos se deve às opções políticas e quanto se deve à pandemia? É extremamente difícil quantificar o peso de cada uma destas descidas. Mas a coexistência destas duas descidas é um dado seguro, reforçado pelos indicadores existentes e pela própria análise da OCDE.

6 Uma última razão para afastar a pandemia como única explicação para os maus resultados no PISA 2022: todas as avaliações internacionais desde 2016 apontaram para quedas de desempenho dos alunos portugueses. O TIMSS 2019, que avalia a literacia em Matemática e Ciência, havia identificado uma queda de desempenhos (escrevi sobre isso aqui). O PIRLS 2021, que avalia a Leitura, havia identificado uma queda de desempenhos (escrevi sobre isso aqui). Ou seja, após a queda de desempenhos ter aparecido no PISA 2018 e nas avaliações internacionais (pré e pós-pandemia), qualquer expectativa para o PISA 2022 tinha de incluir uma queda de desempenhos dos alunos portugueses. Fica claro: a pandemia não explica tudo.

7 Considero importante insistir que a pandemia não explica tudo porque, previsivelmente, foi esse o ângulo predominante do Ministro da Educação que, em entrevista ao Observador, apelidou o PISA 2022 de PISA da Pandemia. O efeito desta denominação é o de desvalorizar leituras políticas nacionais sobre os resultados e as políticas educativas seguidas desde 2016, para prevenir avaliações políticas. Admito que a retórica possa enganar os distraídos, mas bastará alguém informar-se minimamente para não engolir esta isenção de responsabilidades.

8 Estas habilidades na comunicação têm sido uma constante no Ministério da Educação. Quando saiu o PISA 2018, o então Ministro Tiago Brandão Rodrigues responsabilizou o governo PSD-CDS (2011-2015) pelos maus resultados. Quando saiu o TIMSS 2019, o então Secretário de Estado João Costa responsabilizou Nuno Crato pelos maus resultados. Quando saiu o PIRLS 2021, o agora ministro João Costa responsabilizou a digitalização das provas pelos maus resultados. E, esta semana, quando saiu o PISA 2022, o ministro João Costa responsabilizou a pandemia pelos maus resultados. Coincidência difícil de explicar: desde 2016, todas as avaliações internacionais apontam para pioria dos alunos portugueses, mas o Governo PS encontra sempre uma explicação para culpar terceiros. Em 8 anos de funções, é notável conseguir-se decidir tanto (fim de exames, fim das metas curriculares, introdução das aprendizagens essenciais) e permanecer isento de responsabilidades.

9 Sobre o impacto da pandemia na aprendizagem, convém referir que as narrativas políticas têm limites e, quando se discursa aos ziguezagues, mais facilmente se tropeça. Ao longos dos últimos três anos, Tiago Brandão Rodrigues e João Costa adoptaram várias versões sobre o impacto da pandemia na aprendizagem dos alunos. Do #vaificartudobem, pois bastaria reabrir as escolas e tudo se normalizaria, à garantia de que os danos eram modestos e rapidamente recuperáveis. Do ridículo que sugeria a melhoria dos alunos durante a pandemia à aceitação parcial dos danos na aprendizagem, embora ainda recentemente se voltasse à fantasia de melhorias. E, agora, perante o PISA 2022, justifica-se a queda de resultados apontando o dedo à pandemia. Afinal, a pandemia teve um impacto nulo, mínimo, médio ou elevado, em função da conveniência política em cada momento. O critério fala por si.

10 A minha insistência em refutar as “explicações” do Governo não visa entrincheirar o PISA no combate político. Pelo contrário: visa resgatá-lo da trincheira para onde o Governo o atirou. Ao negar evidências e alegar que tudo estava bem, a estratégia de comunicação do Governo transmitiu uma ideia errada sobre os desafios educativos que enfrentamos. Fê-lo, talvez, porque é sempre mais cómodo rejeitar a existência de problemas, de modo a não ser pressionado a resolvê-los. Mas a consequência dessa estratégia ultrapassa amplamente o debate político: abrange toda a sociedade portuguesa, que tem sido levada a crer num milagre educativo que não existe. Consequentemente, a pressão social para corrigir os erros em curso tem sido curta e insuficiente — para prejuízo de todos, mas em particular dos mais vulneráveis.

11 Olhando para a frente, cuidado com as ilusões: da mesma forma que a queda no PISA 2022 não se explica apenas com a pandemia, a recuperação desta queda não se fará apenas esperando que a “onda” da pandemia passe. O trambolhão dos alunos portugueses deixará marcas duradouras. E o anunciado antídoto, o Programa de Recuperação da Aprendizagem que o Ministério da Educação lançou, tem-se provado insuficiente — nem que seja pela incompetentíssima gestão, entretanto arrasada por uma auditoria do Tribunal de Contas. Daqui a menos de um ano e meio (primeiro semestre 2025), realizar-se-á o PISA 2025 nas escolas portuguesas (os resultados apenas chegarão em Dezembro 2026). Infelizmente, considero improvável que os alunos no PISA 2025 consigam recuperar integralmente desta queda — oxalá me engane.

12 Como é que saímos daqui? Os desafios educativos não são pequenos. Desde logo, porque falta tempo. O PISA 2022 mostra-nos que os alunos de 15 anos têm níveis de aprendizagem muito inferiores aos jovens que tinham a mesma idade em 2015 ou em 2018. Ora, os alunos que fizeram o PISA 2022 estão agora no ensino secundário, na reta final da sua escolaridade obrigatória e, em breve, à porta do ensino superior. Em que condições lá chegarão? Haverá tempo para os puxar para cima, ou será tarde demais para uma resposta eficaz nas escolas? E que consequências terá esta queda de aprendizagem nos seus estudos superiores e na sua vida adulta? As perguntas ficam em aberto, mas não encontro razões para estarmos optimistas.

13 Não é só termos pouco tempo. Também temos problemas estruturais que, em vez de se ultrapassarem, se consolidam. O PISA 2022 identificou um aumento significativo dos alunos com desempenho abaixo do patamar de literacia considerado mínimo para a OCDE. Em Matemática, 30% dos alunos entram nesta categoria. Em Leitura, são 23%. São os valores mais elevados desde 2006. Sabendo que o perfil socioeconómico continua a ser um factor explicativo muito forte para o insucesso escolar, e sabendo que em 2024 teremos desaceleramento da economia (ou, pior, uma recessão), há motivos para preocupação sobre como vamos ajudar estes alunos a sair da armadilha do insucesso.

14 Impossível de esquecer: o sistema educativo terá de recuperar deste trambolhão enquanto lida com a escassez de professores, o maior desafio operacional do sistema educativo nos últimos 20 anos. Prevê-se um número de aposentações muito elevado até 2030, a um ritmo crescente até 2028. No PISA 2022, Portugal já surge sinalizado como o terceiro país da OCDE com maior dificuldade de recrutamento de professores para apoio ao estudo. A falta de professores vai intensificar-se nos próximos anos. A ausência de planeamento atempado do governo para lidar com este problema ficará na memória como o seu maior erro de política pública.

15 Chegados aqui, eis o ponto de situação: os resultados no PISA 2022 foram um descalabro. São os piores desde o PISA 2006. Poderão ter efeitos duradouros. E a queda na aprendizagem equivale a cerca de um ano lectivo inteiro. Pandemia? Sim, mas não só — há erros políticos que se pagam caro. Nada disto surpreende quem esteve atento aos sinais. Agora, não há como escapar à evidência do fracasso, nem como menosprezar os desafios exigentes que enfrentaremos nos próximos anos. E, claro, também já não há como confiar nos responsáveis políticos que nos trouxeram até aqui.