Cerca de 6 meses depois do último estado de emergência no nosso país, a madrugada de Domingo dia 8 de Novembro trouxe-nos a notícia que um novo estado de emergência irá ser declarado e com ele, mais medidas restritivas serão implementadas para tentar travar a disseminação crescente do coronavírus e da COVID-19.
A situação de pandemia que todos enfrentamos é incrivelmente exigente nos seus efeitos, mas não me refiro apenas aos sanitários como o aumento do número de novas pessoas infectadas, que têm de ser internadas ou que infelizmente morrem – indicadores que recebem atenção diária. Refiro-me aos efeitos avassaladores que a crise sócio-económica e a “fadiga da pandemia” teve e tem nas pessoas, que sentem medo, ansiedade, insegurança, cansaço e outros problemas psicológicos que, entretanto, se desenvolveram ou ampliaram. Não é demais recordar que já antes da pandemia, um em cada cinco portugueses tinha um problema de Saúde Psicológica…
Segundo um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS), o cansaço da situação pandémica atinge já 60% da população e facilmente compreendemos que a necessidade de adaptação a que temos estado sujeitos, o mantermo-nos incessantemente vigilantes para cumprir diariamente as orientações das autoridades de saúde, a alteração de comportamentos que tivemos de adoptar para a nossa segurança individual e colectiva, os sacrifícios mantidos e as perdas pessoais (humanas e para tantos também materiais) das quais temos de fazer luto, a angústia de vivermos na incerteza de quando tudo isto terminará são razões de monta que nos podem desmobilizar de cumprir, a toda a hora, o que já sabemos que deveríamos observar.
A ciência psicológica, que explica os processos mentais e os comportamentos humanos, demonstra que a nossa percepção de risco pode diminuir face à COVID-19 por estarmos tão expostos cognitiva e emocionalmente a todas as dificuldades que são geradoras deste sentimento de apatia e exaustão, e com ele a motivação para mantermos as medidas de protecção. É, por isso, no mínimo estranho escutar dirigentes e decisores políticos do país afirmar que “quem se sente cansado não tem o direito a se sentir cansado”. A mim, enquanto Psicóloga, tais posições alarmam-me pela expectativa que tenho que estas pessoas, pelos cargos que ocupam e pelas responsabilidades que têm, não contribuíssem para o estigma na saúde mental, que ajudassem a aumentar a literacia em saúde psicológica das populações, que tanto dela necessitam, particularmente na situação absolutamente excepcional que vivenciamos, que sustentassem com a ciência disponível as suas comunicações e decisões políticas, para que destas resulte mobilização e envolvimento generalizado, no esforço adicional que nos é então pedido.
Enquanto cidadã, sinto-me interpelada e atenta sempre que tentam limitar as minhas liberdades ainda que possa (ou tenha que) concordar que em circunstâncias muito particulares, como as actuais, algumas destas (poucas) necessitem ser temporariamente balizadas. Mas quando a situação é dizerem-me o que posso ou não sentir, o que devo alternativamente admitir enquanto sentimento, fico alarmada.
É de difícil aceitação que se tente que o estado de emergência seja alargado ao ponto de incluir os sentimentos, que o desespero de conter a pandemia e o cansaço que já afecta também os governantes possa levá-los a rejeitar as suas próprias emoções e as dos outros.