O Governo apresentou mais um pacote de medidas de apoio às famílias e empresas. É importante sublinhar que tinha que existir atuação da parte do Governo. Portanto, é evidente que qualquer atuação é de saudar. Não há dúvidas que, qualquer que fosse o governo em funções, existiria uma atuação face aos fenómenos extraordinários que conduzem aos atuais níveis de inflação e que vai complicar a vida dos portugueses durante um período longo.
Por isso, a discussão não é sobre o objetivo: ajudar as famílias e empresas neste período. Mas antes, sobre o caminho para chegar a esse objetivo, ou seja, como ajudar.
Nesse aspeto é legitimo questionar a quem se destinam estas medidas, o tempo em que chegam e período que irão durar.
1 É revelante perceber a quem é que estas medidas se destinam. Apesar da “vida estar complicada” para a classe baixa e a classe média, estas medidas destinam-se essencialmente à classe baixa. Portanto, destinam-se aos mais desprotegidos. Claramente o “raio de alcance” de apoios sociais, neste período, tinham que chegar a quem não tem como “cortar em despesas” ou “socorrer-se” de poupanças devido ao reduzido rendimento que aufere.
Mas nada está a ser feito para que, quem hoje tem poucos rendimentos, consiga “subir” para a classe média a médio ou longo prazo. Por outro lado, a classe média tem sido considerada pelo Governo como a mais capaz de resistir a este período. Contudo, a erosão que sofre pode levar a que exista uma diminuição da classe média em Portugal, devido à ausência de trabalhadores portugueses, cujos rendimentos não sobem, e outros porque os perdem.
No horizonte, não há planos para que as pessoas que hoje ganham pouco, possam ganhar mais no futuro. Não existe um plano para adicionar outro motor de crescimento à economia que não seja o turismo, que apesar de criar emprego fundamental para o país, ainda o faz com uma média salarial baixa. E o plano que existe, consubstanciado no PRR, tem atrasos que “ferem o músculo” da economia.
2 O tempo em as medidas chegam, não é claramente o tempo certo. As medidas vêm tarde, tanto que o próprio governo fala em devolver, portanto é porque já tirou. E podia ter evitado tirar.
Segundo o INE os portugueses perderam 4% da remuneração mensal bruta média em 2022. O Governo equilibrou as suas contas através do desequilíbrio das contas nas famílias. A despesa do Governo foi acomodada pelo aumento na receita de impostos. Não se pode falar em contas certas se as contas do Governo desconcertam as contas das famílias. A verdade é que existe deficit nas contas do país, a diferença é que o deficit passou para as contas das famílias que perderam 4 % dos seus rendimentos.
Por isso, é evidente que o Governo já deveria ter abdicado de receita fiscal, seja o IVA ou outra, há mais tempo. Aliás, o Governo é inclusive “rude” quando não assume que as medidas que anuncia chegam tarde. A regra mais básica de educação diz-nos que devemos pedir desculpa quando chegamos tarde porque o nosso tempo não é mais “precioso” do que o de outros. O Governo, “rudemente” considera que a sua agenda é mais importante do que a dos portugueses. Mas o atraso destas medidas para as famílias prova que o tempo certo não é o do Governo.
3 O principal instrumento de combate a uma crise com estas características só podia ser construído antes da crise chegar, com uma economia que oferece salários mais elevados. Mas o Governo não pensou nem executou reformas que atacassem os problemas de produtividade, como por exemplo os custos de contexto que “sugam” riqueza ao país. Nem alavancou investimento público que retirasse a “anestesia salarial” em que se encontra Portugal.
Com essa oportunidade perdida, a perda de poder de compra dos salários portugueses face à situação que existia antes da guerra na Ucrânia irá continuar durante anos. É o próprio estudo publicado pelo Governo que o indica, com o nome: “Impacto macroeconómico do choque de inflação importada”. Em todos os cenários o salário médio dos portugueses irá reduzir-se, possivelmente até mais 2% no futuro, ao que somam as perdas até agora – de acordo com a PlanApp, entidade responsável pelo estudo
Uma forma de medir a democracia é verificar-se como o Estado atua para com os mais desprotegidos. Numa primeira impressão podemos pensar que as medias apresentadas pelo Governo são orçamentalmente robustas para com os mais desprotegidos. Contudo, todos temos que refletir porque é que continuamos a ter uma percentagem da população tão grande que continua desprotegida face às crises económicas que o país vive.
Pode não ser com essa intenção, mas a governação do PS está a remodelar aquilo que devia ser a relação do Governo para com os mais desprotegidos. O PS parece apostar apenas em “amparar” quem está desprotegido nesta crise, e não se vê qualquer aposta em retirar os portugueses da condição de desprotegidos. Por isso, a gíria popular “zero à esquerda” aplica-se na perfeição nas políticas que não adicionam qualquer valor para que as pessoas possam sair da condição de dependência do Governo.