A guerra na Ucrânia retirou toda a validade das previsões económicas de dezembro. A zona euro já só deve crescer 3,7% em 2022 e o choque da inflação poderá ter consequências devastadoras para as famílias e empresas portuguesas.

O motivo que foi determinante para a dissolução do Parlamento, por parte do Presidente da República, esteve diretamente relacionado com a necessidade de Portugal conseguir ter em execução os instrumentos necessários para o país vencer a crise causada pelo surto epidemiológico da COVID-19. Ora torna-se evidente que após as eleições a necessidade de o país fazer recurso dos instrumentos económicos como o Plano de Recuperação e Resiliência mantêm-se em absoluto. Contudo, não se identifica da parte do governo uma visão para o país face aos acontecimentos que são consequência da guerra protagonizada pela invasão da Rússia à Ucrânia. Aquilo que era uma expectativa face a uma possível inflação tornou-se uma certeza impulsionada pelo aumento de preços dos combustíveis fósseis e dos alimentos, afetando transversalmente toda a economia. A única incerteza é a dimensão do impacto sobre as famílias e empresas portuguesas. Contudo, é certo e previsível que esse impacto ocorrerá.

Neste sentido, o governo do Partido Socialista encontra-se em condições de definir no atual momento aquilo que pretende fazer com uma crise que irá seguramente abater-se sobre o país.

Contudo, é importante sublinhar que o governo do Partido Socialista em funções. Inclusive esteve bastante ativo até às eleições legislativas. No mesmo sentido, tem todas as condições para ativamente dizer aos portugueses aquilo que entende ser a forma como deve combater esta crise. Esta é uma condição que o governo reúne agora porque não foi demitido, e é uma condição que continuará a reunir o futuro governo, considerando que tem uma maioria absoluta do partido socialista. E nesse sentido, não há impedimentos para definir uma política hoje que será executada pelo futuro governo.

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Contudo, não só o anúncio, mas como também as tomadas de decisões fora de tempo podem-se revelar erradas por serem demasiado tardias. O aumento generalizado de preços que já hoje os portugueses conhecem exige decisões do governo que não sejam temporárias. Especialmente porque os fatores que influenciam a subida de preços nos combustíveis não são temporários, assumem características estruturais.

Portanto, a mesma necessidade – com uma crise económica em perspetiva – para o país ter uma situação política clarificada, e um orçamento aprovado, intensifica-se agora porque o país mergulhará na total incerteza se o governo não disser aos portugueses de que forma é que pretende combater a atual crise. E sublinho, o Dr. António Costa tem condições políticas para o fazer porque é Primeiro-Ministro atualmente, e será também do futuro governo com o apoio parlamentar da maioria dos deputados eleitos.

O Dr. António Costa candidatou-se afirmando que manteria praticamente igual o Orçamento de Estado que foi chumbado no Parlamento. Mas esse orçamento está desatualizado em vários aspetos. Previa que o barril do petróleo estivesse a 68 dólares e não próximo de ultrapassar o máximo histórico de 139,13 dólares. Não previa qualquer tipo de crise ou emergência alimentar que poderá ocorrer e agravar-se com aumentos que já mereceram o alerta da Confederação dos Agricultores de Portugal. E não previa evidentemente um conjunto de sanções económicas aplicadas à Rússia que têm naturalmente um impacto na economia mundial, cujos efeitos Portugal é fortemente permeável.

Perante este atual cenário a ausência de resposta do governo causa incerteza face à ação e reação necessária de todos que geram valor no país, quer nas empresas, quer nos trabalhadores.

O autovoucher, ivaucher, outros sistemas de devolução que se vão inventado não são o mesmo que reduzir impostos que permitam mitigar o impacto do aumento de preços nos combustíveis fósseis. Por isso não é uma resposta clara

A resposta do governo de que Portugal não está dependente do gás russo também não é clara. Porque ignora que é preciso preparar o país para o aumento de preços dos combustíveis fosseis face à dependência energética do país que ascendia a 74,2% em 2019, 16 p.p. acimada da média da União Europeia que foi de 57,8% nesse mesmo ano. Portugal não depende do gás russo, mas não deixa de sofrer com os seus efeitos.

O resultado da incerteza começa reflete-se na economia porque as empresas só sentem o choque de preços na energia com empresas a suspenderem a produção como a Megasa que através das suas fábricas no Seixal e na Maia representa 700 empregos diretos, 3.500 indiretos e uma exportação equivalente a 1.000 milhões de euros anuais. Infelizmente é apenas um de vários exemplos.

É crucial para Portugal que governo suportado pelo Partido Socialista dê uma resposta clara aos portugueses sobre o que pretende fazer. Do mesmo modo que o Dr. António Costa afirmou, últimas eleições legislativas, que a resposta para o país residia no Orçamento de Estado do governo suportado pelo Partido Socialista.

As respostas desse Orçamento de Estado e desse governo são curtas face à dimensão da crise e face aos meios e condições políticas que o atual e o futuro governo suportado pelo Partido Socialista dispõem.

No momento em que Portugal pode ser afetado por uma crise sem precedentes é essencial uma resposta do governo do Partido Socialista na mesma medida que o Dr. António Costa pediu e recebeu uma resposta clara dos partidos da oposição e dos portugueses nas eleições legislativas.

Para que serve uma maioria absoluta se não há capacidade de decidir perante uma crise sem precedentes?

Se governo do Partido Socialista não souber utilizar a maioria absoluta o país poderá ficar numa situação de incerteza e agravamento da crise com consequências maiores do que aquelas que se temiam se as eleições legislativas resultassem num cenário de “pântano” político que mergulhasse o país em indecisões.

Mário Soares proferiu uma frase utilizada várias vezes pelo Dr. António Costa: “quando a luta aquece, mais força tem o PS”. Neste momento o PS desaperece, apesar de haver razões para lutar contra crise que o país está a sentir.