Quando Max Weber escreveu A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, era compreensível que o capitalismo vivia uma tensão permanente entre o egoísmo individual de empresas a quererem maximizar lucros e consumidores a maximizar os seus benefícios individuais por um lado, e valores éticos, com fundamentos nas grandes religiões e no pensamento humanista, que alicerçavam instituições essenciais para o funcionamento do capitalismo. Acontece que o desenvolvimento capitalista das últimas décadas, sobretudo ao nível financeiro, a desregulação dos mercados, o aumento do peso dos Estados e consequentemente dos níveis de tributação, a laicização do comportamento individual não substituída por forte formação humanista, criaram um caldo de cultura propício a “esquemas”, da mais variada natureza, de que se apropriam pessoas ou sem escrúpulos, ou simplesmente que muitas vezes se consideram acima dos pobres mortais  que cumprem as suas obrigações de cidadania.  Porquê pagar impostos se é possível obter rendimentos livres de impostos numa qualquer offshore? Sou dos que consideram, há muito, que não se justifica a existência de offshores e que elas deveriam ser extintas reconhecendo, porém, que dada a inexistência de uma sociedade das nações mundial com poderes legislativos, difícil será a sua extinção. Felizmente que temos tido todos os leaks e papers (wikileaks, panama papers, etc.) que tornam cada vez mais arriscado o uso dessas plataformas. As recentes noticias envolvendo Manuel Pinho, merecem algumas reflexões de carácter geral:

1. Prevaricação, tráfico de influências, enriquecimento ilícito, corrupção, evasão fiscal e outros ilícitos penais, existiram e existirão sempre. O que deveríamos, como sociedade, era: i) reforçar a componente ética geral no currículo escolar pois por melhor que sejam as leis nunca serão imunes a comportamentos  desviantes ii) reforçar a eficácia e a capacidade de investigação relativamente a estes crimes iii)  ser exemplar nos processos judiciais para que, em tempos razoáveis do processo, se assegure, a defesa dos direitos dos arguidos, o segredo de justiça, a produção de provas consistentes e a clarificação, fundamentação e justiça das sentenças.

2. Os casos Manuel Pinho e Sócrates estão a ser usados por certos sectores para atingir o PS. Tenta-se ignorar os vários casos quer de condenações por corrupção quer de arguidos sobretudo da área do PSD (é só escolher entre ex-governantes, ex-deputados e ex-banqueiros), mas também, em menor grau, do CDS. A tentativa de confundir comportamentos individuais eticamente reprováveis com os partidos a que essas pessoas pertencem ou os governos que serviram só pode servir para o “são todos iguais”, o descrédito da democracia e o alimentar do populismo. Os partidos não têm vontade, alma, ou ética. As pessoas, nos partidos, é que são responsáveis pelas suas ações ou omissões e devem ser julgadas e o seu comportamento avaliado, ética, moral e judicialmente. A melhor resposta que os  partidos podem dar é criar regras que permitam promover os que querem servir o interesse público e obstaculizar os que apenas querem servir os seus interesses pessoais.

3. É também nefasto para a democracia esquecer que, quando se fala em corrupção, geralmente está envolvido uma entidade privada e uma entidade pública.  Isto é, a corrupção é um fenómeno social global e não se limita à esfera pública, mas engloba muitas vezes o sector privado que, aliás tem, como o caso BES/GES indicia, muitos mais recursos, que o Estado para práticas ilícitas. Aliás a corrupção na esfera pública, que envolve geralmente o uso de dinheiros públicos para uso pessoal – como o caso do Presidente de Junta de Campolide do PSD Fausto Santos condenado por usar dinheiros da Junta para financiar um cruzeiro a ilhas gregas – é de montantes significativamente menores.

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4. Aquilo que parece essencial, olhando para o funcionamento da justiça é que haja maior eficácia do Ministério Público. Isto não significa que não tenha havido uma evolução positiva nos últimos anos, mas estamos ainda longe de atingir prazos razoáveis de duração dos inquéritos. Mais do que mega-processos sem fim, mais vale concentrar meios em limitadas acusações, mas com mais consistência dos meios de prova. É muito mais fácil provar a evasão fiscal ou o enriquecimento ilícito do que provar corrupção. A corrupção é extremamente difícil de provar pois exige a clarificação de um nexo de causalidade, muitas vezes com provas difíceis de obter.

5. Uma questão relevante é a de saber se tem de haver alterações legislativas significativas para julgar os casos que surgiram ultimamente? A resposta é que, em grande parte, não. Se se der como provado que Pinho, enquanto ministro, recebeu uma avença mensal de quase 15.000 euros parece claro que há um ilícito penal não sendo necessária nenhuma nova lei. Entre outras, a lei do controle público de riqueza dos titulares de cargos políticos, é suficiente. Logo nos artigos 1º e 2º se esclarece que os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos têm 60 dias desde o inicio de funções e 60 dias após o término dessas funções para apresentarem declarações de rendimentos e património, e que o incumprimento, incluindo falsas declarações é um ilícito penal. Estas apenas duas entre outras normas desta Lei e de outras que se poderão aplicar neste caso.

6. Aquilo que falta em Portugal é, em muitos casos, a eficácia do processo judicial que só parcialmente se pode atribuir ao desajustamento das leis. É a parte que tem a ver com a fiscalização do cumprimento da lei, as sanções em caso de ilícitos penais e com a maior ou menor morosidade do processo penal. É neste contexto que os trabalhos a decorrer na Comissão de Transparência da Assembleia da República são muito importantes. Apenas para dar um exemplo, parece óbvio para todos que havendo milhares de titulares de  cargos políticos ou altos cargos públicos, sem que exista uma entidade dedicada exclusivamente para analisar essas declarações (como atualmente é ponderado na Comissão) a eficácia da norma deixa de existir. Também é simples de entender que para além das leis a existência de recursos adequados de investigação criminal é essencial.

Boas leis não se podem substituir a comportamentos éticos adequados, nem eliminar os moralmente condenáveis. Mas que ajudam, ajudam. Por isso é essencial que todos os partidos se empenhem em que a Comissão da Transparência produza resultados orientados para a eficácia do controle de rendimentos e da variação da riqueza patrimonial e da sanção pesada aos ilícitos penais de qualquer natureza. Só assim se evitará que as práticas ilícitas de alguns manchem a reputação de todos os outros e se caminhe para a degenerescência do regime democrático.