Se a Assembleia Geral das Nações Unidas decidiu criar o dia internacional contra a corrupção (9 de Dezembro) foi decerto por boas razões. A corrupção tem uma dimensão, ética, económica e social importante. Comportamentos corruptos são desde logo condenáveis moralmente – pois dão vantagens patrimoniais ou outras aos que menos escrúpulos têm em obtê-las de forma ilícita- levam a uma afetação ineficiente de recursos – pois quem obtém contratos, licenças, não é quem mais valoriza esses recursos ou esses direitos – e cria maiores desigualdades de rendimento e riqueza dos que as resultam de um funcionamento legal dos mercados. Por isso várias instituições internacionais (Banco Mundial, OCDE, Nações Unidas) têm dado muita atenção ao problema que envolve agentes privados e públicos. Portugal não tem ficado bem na fotografia. De acordo com dados do Banco Mundial o controlo da corrupção em Portugal tem piorado nos últimos anos. Onde o risco da corrupção é maior é onde o resultado da decisão de um político ou de um funcionário administrativo pode alterar o valor de um ativo, ou gerar uma renda de forma substancial. Neste sentido, dois setores que devem ser considerados de elevado risco são a contratação pública e a revisão dos planos diretores municipais. Neste artigo abordo, apenas as instituições públicas, o que de bom já se fez e o muito que falta fazer.
A Assembleia da República – No campo legislativo, e apesar de todas as limitações no funcionamento da Comissão de Transparência (2016-2019), houve um avanço importante que foi a aprovação do pacote legislativo da transparência, nomeadamente a obrigatoriedade da entrega de uma declaração única de rendimentos e património pelos titulares de cargos políticos (administração central, regional e local), altos cargos públicos e magistrados, no início do mandato, no fim e três anos após a cessação de funções e o agravamento para 80% da tributação de mais-valias injustificadas. Por outro lado, a obrigatoriedade de aprovação de códigos de conduta, em que se estabelecem regras sobre a aceitação de ofertas e hospitalidades (viagens, estadias, convites, prendas). A consequência da corrupção, são variações patrimoniais, pelo que alguma eficácia no seu controlo ex post exige uma eficácia na fiscalização destas declarações e nas eventuais sanções fiscais e penais associadas. Para isso o legislador criou uma Entidade da Transparência com competência para iniciar esse processo de fiscalização. Já no que toca ao enquadramento ex ante da corrupção, a proposta que a Assembleia da República aprovou, de alteração ao código dos contratos públicos, não é satisfatória. Desde logo, só teve a aprovação do PS. Uma proposta com este impacto deveria ter a aprovação explícita de pelo menos também o maior partido da oposição (que a viabilizou apenas com abstenção pela aceitação de algumas das suas propostas). Portugal está no grupo dos três países da UE onde existe menor competição na contratação pública (ladeado pela Polónia e Hungria). Se por um lado é inequívoca a necessidade de celeridade na execução dos fundos comunitários que receberemos, é também necessário acautelar a competição e evitar os riscos de conluio e corrupção assinalados pelos Tribunais de Contas português e europeu. O veto recente de Marcelo Rebelo de Sousa à lei, tem poucos argumentos justificativos e orientadores de uma reavaliação parlamentar, mas dá uma oportunidade para a introdução de melhoramentos.
Os Tribunais – a legislação aprovada diz que a Entidade da Transparência, é independente e funciona junto do Tribunal Constitucional (TC). Nas palavras do seu Presidente, em audição parlamentar, o TC não está preparado, e não tinha recursos financeiros (agora já tem com a alteração à proposta do OE), e não tem recursos humanos capacitados para tratar de logística e do lançamento de concursos para a plataforma informática para se submeter as declarações de interesse e património. Com tantos institutos de informática existentes na administração central, não seria possível uma partilha de recursos, que evitasse que se faça tudo do zero? Aparentemente, parece ser esta a via adoptada, pelo que o Presidente do TC, confessou com notável honestidade que a sua especialidade é direito penal e não números, ou processos concursais. Vem assim avisando que nunca antes de 2022 estará operacional. Não me parece razoável este cenário. No final do ano que vem teremos eleições autárquicas, ou seja milhares de autarcas que cessam funções, e outros tantos que iniciam funções. Vamos continuar a (não) fiscalizar essas declarações em papel pois o TC não tem capacidade humana para o fazer? Numa época COVID da supremacia do digital, não seria possível implementar a Entidade da Transparência mesmo sem instalações físicas definitivas? Parece-me que sim.
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