Uns comem os figos, a outros rebenta-lhes a boca.
Provérbio popular português

Dados recentes do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) dão-nos conta de que, nos últimos sete anos, o eucalipto foi, de longe (14 vezes mais do que o pinheiro-manso, em 2° lugar), a espécie mais requisitada em arborizações, sintoma de que é a única espécie alvo de algum interesse em investimento. Digo algum, porque são 120 mil hectares autorizados, dos quais 80 mil de eucalipto, quando no mesmo intervalo ardeu no país um milhão de hectares. O abandono não entra na contabilidade porque não pede autorizações…

O ambientalismo indigna-se, insulta quer governos quer proprietários, fala das riquezas produzidas pela floresta, repete a pergunta “que floresta queremos?”.

Efetivamente, podemos enunciar um vasto conjunto de valor ambiental produzido, de frutos e cogumelos à caça, passeios, ou educação ambiental, passando por espécies raras e/ou endémicas da fauna e da flora, pelo armazenamento de carbono, ou pela proteção contra erosão ou cheias. Uma enorme riqueza que interessa a todos nós, à sociedade.

Acontece, que a esmagadora maioria da nossa floresta é privada. E ninguém faz investimentos sem pensar em ganhar algo em troca, colher os frutos do seu trabalho… Pelo que, na hora de abrir os cordões à bolsa, o eucalipto, com mercado, com crescimento rápido, pouco exigente, etc., dá alguma esperança de retorno. E as outras riquezas? Carteiras privadas a pagar o interesse público – a tal “floresta que queremos”? E o que ganham com isso?

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Confuso? Vou exemplificar: imaginemos que o leitor tem uma floresta.

– Sabe que vai dar madeira e a vai vender. Se der frutos ou pinhas, também as pode vender. A ideia é compensar o investimento que faz nela, vender os frutos do investimento e do trabalho.

Mas a sua floresta pode produzir muito mais riqueza, dizem-lhe…

– Muito bem, é verdade. Produz caça. Mas não vê um tusto dos caçadores, ou do restaurante de carne de caça… ainda lhe estragam é a propriedade;

– Produz biodiversidade, muitos animais e plantas. Mas ninguém os vai lá ver, ninguém lhe dá um tusto por isso. Pelo contrário, se produzir muita riqueza, ainda vem o Estado proteger aquilo (com o seu dinheiro);

– Produz uma bela paisagem que atrai turistas e até desenham trilhos passando no seu pedaço de terra. Mas ninguém lhe paga para deixar que passem por lá a pé ou de bicicleta. O hotel, a empresa turística, ninguém lhe dá um tusto. E ainda deixam aquilo cheio de lixo;

– Protege ainda o solo da erosão, evita poluição da barragem que fornece água e/ou energia, minimiza cheias. Mas a companhia das águas não lhe dá um tusto. Ou a hidroelétrica. Ou as autarquias a jusante, cujas cidades terão menos cheias. Pelo contrário, ainda lhe fazem é exigências.

Isto é, todos comemos os figos, mas é a si que lhe rebenta a boca.

Uma política florestal que reconheça e remunere os serviços ambientais é de todo desejável, como escreveu o prof. J.P. Fernandes neste jornal há uns meses, “criando condições para que os proprietários se voltem a interessar e a envolver, já que passarão a ver o benefício daí resultante, baseada na responsabilidade e interesse colectivo e não na repressão cega de proprietários incapazes de uma adequada gestão, dado ela corresponder apenas a custos sem quaisquer benefícios.”

Até lá, sem ajudar a produzir os serviços do nosso interesse (intenções já têm décadas; constam agora do novo plano de Costa Silva, mas não passa de… papel; enquanto não chegarem, efetivamente, ao proprietário é só conversa), ao mesmo tempo que, enquanto consumidores – de papel, de papel higiénico, de copos ou sacos de papel para substituir o plástico, etc. -, fomentamos o negócio do eucalipto, não vamos ter a “floresta que queremos”, por mais que insultemos os outros sem dar reais soluções. Vamos, sim, ter esta que temos, que afunila a escolha de investimento entre eucaliptos ou não investir nada (abandono), e que, até na forma de fazer política, arrancando eucaliptos para a fotografia, mais não é que um espelho da nossa sociedade.