Passados cerca de 5 meses da tomada de posse do atual governo, ainda não se compreendeu qual a posição política da AD relativamente à enorme obra imaterial e ideológica deixada pelo anterior governo PS. É suposto haver diferenças nas ideias políticas quando os grandes partidos se alternam no poder. Vejamos dois exemplos: a eutanásia e a identidade de género.

A lei da eutanásia foi aprovada na generalidade na AR pela maioria de esquerda em 2023. A sua regulamentação continua por realizar o que na prática faz com que a lei não entre em vigor. O que pensa a AD fazer sobre este assunto que tanto dividiu a sociedade portuguesa? Partilha desta visão utilitarista da vida humana? Consequentemente, vai mesmo regulamentar esta lei, aprovada maioritariamente pela esquerda, ou vai procurar revogá-la? E a melhoria da rede de cuidados paliativos não é uma prioridade?

A ideologia de género, promovida ativamente pelo PS,  inspirou várias decisões políticas e legislativas. Basta olhar para a Lei nº. 15/2024 que se revela uma autêntica “miscelânea legislativa” ao misturar conceitos, como a homossexualidade (orientação sexual)  e a disforia de género (identidade de género), que nada têm a ver um com o outro. Enquanto a homossexualidade não é considerada doença desde há cerca de meio século, a disforia de género é classificada como uma doença pela Associação Americana de Psiquiatria  (DSM 5 – TR, 2022, pág. 521), razão pela qual deve ser acompanhada clinicamente por  psiquiatras e psicólogos competentes. Mas o legislador, de forma ardilosa, omitiu na referida lei o termo  “disforia de género” referindo-se a esta condição, de forma enviesada, como “autodeterminação da identidade de género e expressão de género”.

Esta legislação aprovada intromete-se claramente na decisão médica de tratar esta patologia, sendo eticamente reprovável que o legislador interfira no livre exercício da medicina e da boa praxis médica. O objetivo desta ideologia não é melhorar a ciência médica, mas sim destruir as suas fundações. Assim, penso que estamos diante de uma legislação abusiva. A sua aplicação pode ser causadora de danos físicos e psíquicos nas crianças, adolescentes e jovens que são portadores da disforia de género, dado que, por motivos ideológicos (e não clínicos),  estes podem não receber de forma atempada ou adequada o acompanhamento médico que necessitam.

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Recentemente na Inglaterra — seguindo outros países como  a Noruega, Finlândia e a Suécia —  foram proibidas no serviço nacional de saúde  as terapias de afirmação de género, designadamente os bloqueadores da puberdade,  a menores de 16 anos, com a justificação de não existirem evidências de segurança e efetividade clínica.

Esta situação não será suficientemente grave para se tomar no nosso país uma posição política sensata? Afinal, o que vai fazer a AD sobre esta lei? Aceita que uma ideologia condicione decisões clínicas? Considera normal que, pela via legislativa, se desconsidere a ciência e se impossibilite a boa prática médica?

A sociedade está de tal forma embotada pelo relativismo ético que permite criar um campo fértil para a tirania das ideias efémeras, desprovidas de raízes com a verdade e a evidência científica. Mas, se houve erros legislativos e excessos ideológicos no passado, é preciso corrigi-los. Porém, as declarações recentes da ministra da Juventude de apoio à utilização de terminologia woke (“pessoas que menstruam”) em documentos da DGS só vieram trazer mais polémica e confusão. Ao contrário do que disse a ministra, justificando que esta é uma terminologia cientificamente correta, este é mais um exemplo de como a ideologia de género tem contaminado a linguagem científica.

A falta de clareza ideológica e de coragem política da AD, em apresentar-se como uma verdadeira alternativa nestas questões, mais cedo ou mais tarde faz-se pagar. De resto, o CDS necessita de se afirmar politicamente nestas matérias para garantir a sua sobrevivência como partido autónomo.

O país precisa de líderes políticos que não estejam sequestrados pela indecisão ou pelo vazio ideológico. Deste modo, não se perde apenas o rumo, como também se sacrifica a representatividade democrática, transformando-se a sociedade num sistema político de pensamento único.