Dizia-se que um primeiro-ministro europeu, de meados do século passado, era muito parco em declarações, até mesmo nos conselhos de ministros a que presidia. Quando um membro do seu Governo o interrogou sobre essa sua atitude habitual, sabiamente respondeu que é-se escravo do que se diz e senhor dos seus silêncios. Embora a frase não fosse dita pelo Professor Aníbal Cavaco Silva, aplica-se-lhe na perfeição, não apenas pelo seu conhecido laconismo, sobretudo se comparado com o actual Chefe de Estado, mas também porque, se os seus silêncios são de ouro, as suas palavras são, muitas vezes, autênticas pérolas.
Como o Observador noticiou no passado dia 29, Cavaco Silva pronunciou-se sobre a eventual legalização da eutanásia em Portugal, em termos que desfazem qualquer ambiguidade. Com efeito, considera que legalizar a eutanásia é “um salto no desconhecido extremamente perigoso” e “não respeita o espírito da Constituição”. Por este motivo, que é óbvio também para os não juristas, como é o seu caso, o projecto de lei da eutanásia é inconstitucional.
O ex-primeiro-ministro e ex-Chefe de Estado, em declarações à Rádio Renascença, chamou também a atenção para a ligeireza como se pretende introduzir, no ordenamento jurídico português, a legalização do homicídio a pedido da vítima. De facto, é provável que a legislação a aprovar em breve evolua para o que acontece em países que já legalizaram a eutanásia e que, agora, permitem a eliminação de seres humanos desprovidos de vontade própria, ou que podem ser eliminados sem o seu consentimento. Para Aníbal Cavaco Silva, “o modo displicente como alguns dos nossos políticos tratam a retirada de vida a um ser humano é condenável e assustador.”
Para o ex-governante, “autorizar por lei um médico a matar outra pessoa é um salto no desconhecido extremamente perigoso”. Recordando as poucas nações europeias que legalizaram a eutanásia e a que os nossos legisladores não têm prestado atenção, Cavaco Silva lembrou que, em alguns desses países, já se deram “casos de pressão sobre idosos e doentes, para que aceitem ser mortos.”
A este propósito, recorde-se que, como aqui escreveu a Dra. Teresa de Melo Ribeiro, no passado dia 30, em excelente artigo de opinião, “depois de terem sido aprovados na generalidade, no passado dia 09.06.2022, os quatro projectos de lei” que propunham a legalização da eutanásia, “foram, em sede de discussão na especialidade, substituídos e reunidos num único texto – o chamado ‘Texto de Substituição’, de 10.10.2022 – que foi subscrito por deputados do PS, IL, BE e PAN, e cuja votação, na especialidade” foi, pela terceira vez, adiada, por proposta do Chega, que alegou alterações de última hora ao projecto de lei. É de justiça referir que este partido e o PCP se posicionaram, desde o princípio, do lado da vida e contra a cultura da morte. Inexplicavelmente, o PSD optou por não tomar partido – para que serve um partido da oposição que não faz oposição nem, paradoxalmente, toma partido?! – apesar de a maioria dos seus deputados ser contra a eutanásia.
O Partido Socialista, a Iniciativa Liberal, o Bloco de Esquerda e o PAN são corresponsáveis pelas iniciativas legislativas a favor da eutanásia, não só porque todos eles apresentaram inicialmente projectos de lei neste sentido, mas também porque subscreveram o Texto de Substituição, em que as suas propostas iniciais foram agora refundidas. Porém, a verdade é que a principal responsabilidade, pela aprovação no Parlamento de uma eventual lei que legalize a eutanásia, cabe, corporativamente, ao PS, cuja maioria absoluta chega para a sua aprovação, como seria também suficiente para a inviabilizar. Pode-se, pois, dizer que a lei da eutanásia, a ser eventualmente aprovada na Assembleia da República, tem, desde já, o nome do secretário-geral do PS, enquanto responsável, em última instância, pelas iniciativas legislativas do seu partido.
Se é verdade, como não se pode negar, que António Costa poderá vir a ser o principal culpado pela introdução da eutanásia no nosso país, a mera aprovação do chamado Texto de Substituição, pelo Parlamento, não basta para que seja lei, pois carece da promulgação pelo Chefe de Estado, que pode (e certamente deve) questionar a sua constitucionalidade, pedindo ao Tribunal Constitucional que se pronuncie sobre a nova versão deste diploma. Como demonstrou a Dra. Teresa de Melo Ribeiro, o Texto de Substituição não só não corrigiu as imprecisões da versão anterior, para as quais o Presidente da República já chamara a atenção, como optou por um regime ainda mais liberalizador da prática do homicídio legal. Como escreveu a citada jurista, “são tantas essas inconstitucionalidades que, aprovado o texto pelo Plenário da Assembleia da República, o Senhor Presidente da República não terá outra alternativa que não seja enviar o diploma para o Tribunal Constitucional, requerendo a apreciação preventiva da constitucionalidade de muitas das suas normas, pois só assim cumprirá a sua função, obrigação e dever constitucionais.”
Se é verdade que o Parlamento representa a vontade popular, o Chefe de Estado não tem menos legitimidade política: a sua oposição a uma medida aprovada pela maioria da Assembleia da República com que não se reveja ou, principalmente, não se reveja a maioria do povo português, é uma atitude democrática, sobretudo se fundamentada, como é o caso, no texto e no espírito da Constituição da República Portuguesa.
Por outro lado, não faz sentido que o Presidente da República não tenha em conta as suas convicções pessoais sobre esta matéria quando foi, precisamente, por ter uma posição pessoal manifestamente favorável à vida e, por isso, cristã, que foi eleito. Aliás, é também por terem uma atitude contrária à vida e, portanto, anticristã, que os deputados do Partido Socialista, da Iniciativa Liberal, do Bloco de Esquerda e do PAN querem impor, a todo o custo, a eutanásia em Portugal, impedindo, antidemocraticamente, as tentativas de auscultar a opinião popular, que certamente sabem contrária à legalização da morte medicamente provocada. Se o Chefe de Estado foi eleito e reeleito em função das suas convicções pessoais, que são bem conhecidas pelos portugueses, não é razoável que delas prescinda no exercício do mandato para que foi investido pela maioria dos cidadãos que nele se consideram representados, por razão destes seus princípios.
No ano em que 80% dos portugueses se declararam, livre e espontaneamente, católicos, e na véspera da segunda vinda do Papa Francisco a Portugal, para as Jornadas Mundiais da Juventude, seria lamentável que o presente de Natal de António Costa e de Marcelo Rebelo de Sousa, aos portugueses, fosse a lei que despenaliza e legaliza o homicídio a pedido da vítima e a ajuda ao suicídio.