Sente-se um incómodo no ar, um estremecimento generalizado, sempre que alguém, nas redes sociais, adjetiva alguma esquerda ou alguma direita de extrema. Esse desconforto transforma-se em raiva e indignação quando se sugere que os extremos são parecidos. A repulsa a estas ultrajes vem das duas bolhas, porque ambas odeiam estas comparações porque consideram que extremistas são apenas os outros.

As visões são sempre distorcidas para quem vê o mundo desde as pontas. Para a extrema-esquerda, o Partido Socialista pratica políticas de direita e tudo o que está para lá do PS é fascismo. Para a extrema-direita, até a Iniciativa Liberal é socialista. Aqueles que se refugiam nos extremismos aparentam ter grande dificuldade em ver qualquer coisa que tenha corrido bem do outro lado. Reconhecer avanços na educação nos antigos países de leste ou admitir o crescimento económico no Chile de Pinochet é interdito.

Excetuando alguns casos patológicos, ninguém se considera a si próprio um extremista. O que quase todos acreditam é que a sua interpretação do mundo é a mais correta e racional, porque é a que agrega a sua experiência de vida, o que se lê, o que se ouve, o que se discute, o que se quis aprender, o resultado da sua mundividência. Se alguém admitisse que a sua própria visão do mundo estava errada, metamorfosearia essa visão para uma nova que lhe parecesse a certa. Errados são sempre os outros.

Não é necessário fazer processos de intenção quanto às motivações de extremistas de esquerda ou de direita na defesa das suas ideias. Pode admitir-se que todos eles acreditam que as ideias que defendem são as que fazem falta a Portugal. Há muitas pessoas firmemente convencidas que Portugal só vai lá com um novo Salazar e outras que julgam que o comunismo, desta vez, poderia dar certo.

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Nenhum extremo gosta de ser comparado ao outro. Pessoas de extrema-esquerda defendem-se explicando que não podem ser equiparados a quem defende a homofobia ou o racismo. Pessoas de extrema-direita defendem-se explicando que não podem ser equiparados a quem defende ditaduras cruéis e passeia com a cara de assassinos estampada em t-shirts.

É evidente que há racismo na direita –a histeria anti-cigana do Chega é um bom exemplo – e que há defensores de assassinos na esquerda – basta olhar para a defesa inabalável que o PCP faz de ditaduras impiedosos que não respeitam os mais básicos direitos humanos. Mas parte destas acusações são, mais do que tudo, espantalhos idealizados em cada lado para projetarem uma imagem de virtude do seu flanco.

Fora estas diferenças, os extremos até são mais parecidos do que eles alguma vez admitirão ser. Por todo o mundo, é nos extremos que encontramos alguns dos grandes defensores da ignóbil invasão russa da Ucrânia e uma atitude estatizante por vezes parecida. De um lado, o “Tudo no Estado, nada contra o Estado, e nada fora do Estado”, do outro a persistente vontade de nacionalização das economias. Ambos nutrem desconfiança pelas democracias liberais e não valorizam a liberdade individual, são antieuropeístas e desconfiam da globalização. Ambos acreditam numa ordem imposta e numa sociedade desenhada por lideranças esclarecidas.

Tanto a extrema-esquerda como a extrema-direita têm no passado histórias tenebrosas de que se querem demarcar. Quando conquistaram o poder em muitos países, ditadores dos dois lados estabeleceram normas de conduta que afiançaram ser superiores, baseadas em códigos morais e éticos em que acreditavam religiosamente. A realidade contrastou com as promessas e os governos autoritários só conseguiram pôr em prática as suas pretensões à custa da violenta castração das liberdades individuais dos cidadãos. Os milhões de vítimas às mãos de regimes que simbolizam tanto o fascismo como o comunismo, são suficientes para demonstrar porque devemos rejeitar vigorosamente tentativas semelhantes. Muito bem esteve o Parlamento Europeu em 2019, ao aprovar a Resolução “A importância da memória europeia para o futuro da Europa”, em que equipara nazismo e comunismo, recordando a trágica história das populações que sofreram com tais experiências.

Embora os resultados tenham sido trágicos de ambos os lados, onde não há qualquer simetria é no tratamento que a imprensa dá aos dois extremos. Por exemplo, as ditaduras chilena e cubana têm ambas milhares de vítimas no currículo, mas a absoluta e merecida intolerância com que Pinochet foi sempre analisado pela imprensa ocidental contrasta com a indulgência, a desculpabilização e por vezes com o indisfarçado entusiasmo com que trataram o ditador Fidel e como continuam a ignorar os atropelos aos direitos humanos na ilha. A extrema-esquerda tem melhor imprensa que a extrema-direita.

A longa duração dos autoritarismos no Brasil, no Chile, em Portugal ou em Espanha, nos países do leste da Europa antes da queda do muro, em Cuba ou até na Venezuela e na Rússia, mostra a dificuldade em reverter situações em que alguém consegue poderes absolutos. Mas nos tempos que correm, em Portugal, bem como em outros países ocidentais, os sistemas de proteção de democracia existem e a separação de poderes parece ser satisfatoriamente robusta para resistir a tentativas extremadas de implementação de ditaduras. Mesmo assim, todo o cuidado é pouco. Muitas pessoas só compreendem o verdadeiro valor da liberdade quando a perdem.