Na semana passada, num editorial do Público, David Dinis listou três erros a evitar na comunicação social quanto a populistas como André Ventura – dar-lhes palco, fingir que não existem ou ignorar quem está do lado de lá. Tem razão em todos. Mas esqueceu-se de elencar um erro, no qual aliás caiu: sobrevalorizar a importância de André Ventura. É que, despindo o seu populismo do fogo-de-artifício mediático, o que fica à vista é uma figura menor das eleições autárquicas. Não tem dimensão nacional no seu partido. Nada no seu currículo o recomenda para o exercício de funções políticas executivas. Concorre num concelho controlado pelo PCP e pelo PS, sem qualquer possibilidade de vitória. Politicamente, o seu balanço é negativo: quebrou uma coligação com o CDS e assegurou que Bernardino Soares (PCP e provável vencedor) rejeitará coligar-se com ele, arredando o PSD do poder. E, por fim, só se distingue dos restantes milhares de candidatos autárquicos pela atenção que desperta o seu populismo de algibeira. Ora, a soma destas características deveria remetê-lo à irrelevância das notas de rodapé. E, no entanto, subsiste uma irracional euforia em seu redor.

É certo que adoptar um discurso populista, racista e por vezes anti-democrático não é coisa pouca e chega para dar nas vistas. São inequívocos os efeitos nefastos desta sua actuação política. Mas tudo tem uma escala e, afinal, importa medir o grau da ameaça política que André Ventura representa. Será realmente, como alguns acreditam, a voz emergente do discurso xenófobo europeu na direita portuguesa? Não há uma única razão para acreditar nisso. Ao contrário do Front National francês ou congéneres europeus, nem uma vírgula do discurso do candidato tem raiz em convicções ideológicas. André Ventura não é uma Le Pen em potência, não tem seguidores políticos (tem-nos do futebol) e não tem pensamento doutrinário. É um oportunista e, focado na sua própria popularidade, dirá o que for preciso. Ataca os ciganos em Loures como atacaria os tuk-tuk em Lisboa se achasse que tal opção lhe daria votos, atenção mediática e likes no Facebook.

Reconhecer esta diferença entre ideologia e oportunismo é fundamental na avaliação desta candidatura. Por dois motivos. Primeiro, permite enquadrar André Ventura na sua insignificância política: o seu desempenho não tem qualquer significado para o futuro do PSD ou da direita portuguesa. A sua candidatura não está a testar ideias, não representa uma ala dentro do PSD, não está a propor um caminho político alternativo, não está a marcar terreno. Está, sim, a tentar diferenciar-se da concorrência com propostas inconsequentes (e perigosas) que julga populares no contexto de Loures. Ou seja, se num futuro distópico André Ventura concorresse a primeiro-ministro, a continuidade lógica do seu populismo estaria em prometer a redução do IRS para metade e o aumento dos salários da função pública para o dobro – porque isso (mesmo que impossível) lhe daria votos num contexto nacional.

Segundo, visto sob esta lente, a candidatura de André Ventura sobressai devido à forma (a agitação das redes e da comunicação social) mas não devido ao conteúdo. É que, na substância, a sua candidatura não se distingue de muitas outras (e de outros partidos). O populismo é paisagem habitual da política autárquica portuguesa, sempre disposta a prometer o impossível em troca de dois votos. O atropelo dos princípios básicos do estado de direito abunda nas asneiras que se ouvem nas campanhas eleitorais, de norte a sul. E as suas tiradas contra os ciganos, inequivocamente racistas, soam inéditas mas não diferem na essência do comportamento de vários autarcas, nomeadamente comunistas, em localidades onde essas comunidades se concentram. Basta recordar o recente caso do presidente (PCP) da Junta de Freguesia de Cabeça Gorda (Beja), que recusou sepultar no cemitério local um cidadão residente e português de etnia cigana – no que foi firmemente defendido pelo líder parlamentar do PCP, João Oliveira. Ou, ainda, lembrar que, em Beja, durante uma década, os executivos de PS e PCP isolaram a comunidade cigana do resto da população com um muro de betão, alegando que era para a sua “segurança”.

Onde é que isto leva? Há que ser claro. Nada disto significa que Passos Coelho tivesse decidido bem em manter Ventura como candidato do PSD em Loures (fez mal). Ou que o CDS devesse ter ficado coligado (fez bem em lançar uma candidatura própria, com Pedro Pestana Bastos). Ou ainda que André Ventura seja uma figura inócua (não é). O que os dois pontos acima implicam é que o perigo que André Ventura representa está, em resultado de uma eficaz máquina mediática, a ser sobrevalorizado – enquanto candidato e, mais importante, enquanto intérprete de novos rumos para a direita portuguesa. Um erro que, no próximo domingo, perante a tentação de leituras nacionais dos resultados eleitorais, será importante evitar.

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