As teorias de Lavoisier sobre a combustão e a respiração animal e a descoberta do oxigénio fizeram dele o mais famoso químico da Europa do seu tempo (finais do século XVIII). Mas a fama não impediu que, durante o Terror jacobino, as suas ligações à “Ferme Générale”, a empresa que, a troco de avanços financeiros à casa real, detinha, antes da Revolução, a concessão da cobrança dos impostos, lhe fossem fatais. Em janeiro de 1794, sob mandato do Comité de Segurança Pública (presidido por Robespierre), os cidadãos Fourcroy e Berthollet entram em casa do químico e confiscam todos os documentos que entendem relevantes. Três meses depois, Lavoisier é julgado e condenado à morte pelo Tribunal Revolucionário. Laplace e outros naturalistas tomam posição pública em sua defesa. Fourcroy, que fora seu amigo e discípulo e que detém uma posição influente junto do Comité de Segurança Pública, nada faz.
Quem é este Fourcroy, que aparece em casa de Lavoisier, primeiro, e, depois, desaparece durante o seu julgamento e condenação? Antoine François de Fourcroy, de seu nome completo, conhecera o mestre dez anos antes, enquanto terminava o doutoramento e iniciava uma carreira nos “Jardins do Rei”, uma espécie de “universidade aberta” onde, à época, se ensinava botânica, química e anatomia a médicos, farmacêuticos e aos simples curiosos. Fora seu colaborador numa obra característica das Luzes: uma reforma da nomenclatura química, em que as designações fantasiosas que o tempo e o costume associara às substâncias químicas, como “cristais de Vénus”, “flores de Benjamim” ou “espírito silvestre”, foram substituídas por nomes sistemáticos: acetato de cobre, ácido benzóico, carbonato.
Este mesmo Fourcroy, até então entretido na sua bovina existência académica, entre aulas nos Jardins do Rei e a redacção de livros que se vendiam em toda a Europa, é arrastado para a política, como tantos outros franceses, pela eleição dos Estados Gerais em 1789. Nesse ano é redactor dos cadernos do Terceiro Estado (os “Cahiers de Doléances”, onde as assembleias que escolhiam os representantes do povo registavam os votos e as queixas a apresentar ao soberano) e, em 1792, candidato suplente a deputado à Convenção Nacional. Em julho de 1793 substitui Marat, assassinado no banho a golpes de punhal, e é nomeado para o Comité de Instrução Pública. É então que se envolve com os jacobinos. Escreverá depois na sua autobiografia que fez “todo o bem que podia … apoiando os sábios e os artistas”. De facto, exigiu a expulsão de todos os “contra-revolucionários” da Academia das Ciências.
É este homem que, em 1794, abandona Lavoisier à sua sorte. E que, de alguma forma, sobrevive à queda e execução dos seus amigos políticos. Depois do 18 de Brumário (1799), Napoleão Bonaparte nomeia-o para o Conselho de Estado. Em 1808 é conde do Império. Em 1809 morre em Paris, de ataque cardíaco.
Arrivista, oportunista e traidor? Sim, provavelmente. Mas também alguém que aproveitou o formidável momento de destruição criadora da Revolução para realizar um conjunto de reformas sem paralelo na medicina ocidental desde que médicos árabes traduziram os gregos e William Harvey publicou o seu “Exercitatio Anatomica de Motu Cordis et Sanguinis”. Na sua qualidade de deputado à Convenção, tem um papel decisivo na aprovação do conjunto de decretos que suportará o grande salto científico da França no século XIX (incluindo a criação da “École Polytechnique” e a refundação, a partir dos antigos Jardins do Rei, do Museu de História Natural). E é dele um projecto de reforma dos estudos médicos que inclui o reforço da componente prática do ensino através da criação de três hospitais que funcionam em ligação com a escola médica; a colocação dos médicos recém-formados nesses mesmos hospitais; e a reunião da medicina e da cirurgia (separadas desde Hipócrates, pelos menos). Completará a reforma do ensino médico a partir de 1802, na qualidade de Director-Geral da Instrução Pública nomeado por Napoleão, definindo a duração dos estudos, os conteúdos programáticos e a obrigatoriedade de exames finais.
Não é fácil julgá-lo.