No Domingo passado, 19 de Junho, houve três eleições importantes no mundo euroamericano: a segunda volta das parlamentares francesas, as eleições regionais na Andaluzia e a segunda volta das presidenciais na Colômbia.
A França dividida
A segunda volta das legislativas era o último episódio da segunda temporada eleitoral francesa, começada com as presidenciais. Nestas, Marine Le Pen e Emmanuel Macron repetiram o duelo de 2017, com a candidata da direita nacional a perder outra vez, mas passando de 34% para 41,46% dos sufrágios, isto é, obtendo quase 13.300 000 votos. Há 20 anos, o seu pai, Jean-Marie Le Pen, tivera pouco mais de 5 milhões contra Chirac; em 2017, Marine conseguira 7.700 000 na primeira volta e 10.600 000 na segunda.
O terceiro classificado na primeira volta das presidenciais, Jean-Luc Mélanchon, que ficara não muito atrás de Le Pen, conseguiu, para as legislativas, coligar a sua La France Insoumise com os verdes e com os restos dos grandes partidos que a História ou o voto popular foram triturando: os socialistas e os comunistas. Graças à baixa votação dos candidatos presidenciais socialistas, comunistas e verdes, Mélanchon apresentou-lhes uma proposta que não puderam recusar. E fez-se uma nova Frente Popular, com o pomposo nome de Nouvelle Union Populaire Écologique et Sociale, um logotipo arco-íris e um daqueles programas económico-sociais que contam ir buscar recursos não se sabe bem onde.
O programa da Nova União Popular, Ecológica e Social pretendia baixar os preços dos bens de primeira necessidade, como o combustível, a alimentação e a energia (todos eles, em grande parte, importados), e “passar imediatamente o salário mínimo para 1400 Euros” e a reforma para os 60 anos. A seguir, na boa linha das novas esquerdas, vinham os direitos dos animais e toda uma vasta gama de medidas para “salvar o planeta” e fazer deste o melhor dos mundos. Foi com este programa de unidade das esquerdas que Mélanchon conseguiu eleger 131 deputados e deputadas.
Mas eis que, uma vez eleitos à boleia de Mélanchon, socialistas, comunistas e verdes se recusaram a formar um grupo único, reclamando a autonomia dos seus partidários que integravam as listas comuns para formarem grupos parlamentares autónomos. Assim, o La France Insoumise fica com 72 deputados, o Partido Socialista com 24 e a Europe Écologique les Verts com 23. Os comunistas, que só elegeram 12 representantes, vão integrar-se no Grupo Esquerda Democrática e Republicana.
Assim, o Rassemblement National de Le Pen, com 89 deputados, ficará como o segundo grupo parlamentar, depois da coligação Ensemble, de Macron, e o primeiro da oposição. Parece que Le Pen terá tido alguma razão em não querer negociar uma frente de direita com Zemmour, sacrificando alguns lugares.
Com a perda da maioria absoluta e a recusa do Les Républicains em apoiar o governo Macron, o presidente reeleito vai ter sérias dificuldades em política interna e internacional. Num tempo de crise económica e social, que as oposições não deixarão de explorar, uma assembleia bipolarizada à direita e à esquerda irá com certeza salientar as divisões entre “as elites” e “os cidadãos comuns” e insistir na ideia de que Macron representa a França do privilégio contra “o povo”.
O triunfo do Partido Popular andaluz
Nas eleições regionais da Andaluzia, o Partido Popular teve uma grande vitória, ao conseguir uma maioria absoluta de 58 deputados em 109 num território que foi, por muitas décadas, coutada dos socialistas do PSOE. E de a conseguir sem ficar dependente da nova direita do VOX, que, entretanto, também melhorou a sua representação no legislativo andaluz, passando de 12 para 14 deputados.
Mas mais que o PSOE, que teve 30 deputados, e que a coligação de extrema-esquerda liderada por Inmaculada Nieto, o grande derrotado das eleições de 19 de Junho foi o Ciudadanos, o partido rigorosamente ao centro fundado por Alberto Rivera. É curioso lembrar que o Ciudadanos surgiu na Catalunha com uma posição firme e corajosa contra o separatismo catalão; e que há quatro anos, em Sevilha, elegeu 18 representantes. Este ano não conseguiu nenhum: o partido dirigido por Inés Arrimadas veio somando derrotas nas votações regionais – tendo também perdido posições em Múrcia, em Madrid e em Castilla y Leon.
A vitória de Moreno na Andaluzia foi oficialmente assumida pela Secretária Geral do Partido Popular como a vitória da moderação e da estabilidade. A chegada do líder galego Alberto Nuñez Feijóo à chefia do PP, substituindo Pablo Casado (e as suas oscilações entre a pressão à direita do Vox e alguma tentação centrista), parece ter sido coroada de sucesso.
Mas mais do que à moderação e à promessa de estabilidade, terá talvez sido à ambiguidade e ao amplo e plural apelo ao voto de Feijóo que que ficou a dever-se o sucesso eleitoral do PP: “Ensanchar (alargar) o PP, torná-lo o partido da maioria dos espanhóis”, de gente “que es más de derechas, más liberal, más conservadora, más de centro, más reformista y más de centro isquierda” – o que, em termos de exegese ideológica, era suficientemente dúbio e flexível para poder resultar. E na Andaluzia resultou: o PP arrumou os Ciudadanos, derrotou o PSOE e o Podemos e conteve o VOX.
Mas será que a receita regional terá sucesso nacional, num momento em que os grandes problemas de Espanha continuam a ser os separatismos? E quando a Esquerda prossegue ali a sua ofensiva “fracturante”, permitindo o aborto às raparigas com mais de 16 anos sem autorização dos pais? A Eutanásia já tinha sido aprovada em Março de 2021, ficando a Espanha, depois da Holanda, da Bélgica e do Luxemburgo, como o quarto país europeu a proporcionar o suicídio assistido aos seus cidadãos. Portugal também parece estar “no bom caminho”, rumo a esta gloriosa “conquista da civilização.
Petro e a viragem colombiana
Finalmente, também no Domingo, na Colômbia, Gustavo Petro derrotou Rodolfo Hernández, um populista de direita, com 50, 44% dos votos contra 47%. A abstenção foi de 42,5%.
Os dois candidatos vêm política e socialmente de fora do rotativismo oligárquico liberal-conservador que há décadas monopoliza o poder no país. Petro foi, na juventude, guerrilheiro do M-19; esteve preso, converteu-se à democracia representativa e chegou a deputado e a presidente da Câmara de Bogotá. Esta foi a sua terceira tentativa presidencial, com um programa em linha com as “novas esquerdas” latino-americanas. Na Colômbia, o povo, aparentemente farto das elites, entre um populista de direita – Hernandez – e um de esquerda – Petro – escolheu o de esquerda.
A Colômbia segue assim a regra do sub-continente americano onde, à excepção do Brasil, do Equador, da Guatemala, do Uruguai e do Paraguai, governados à direita, ou da Costa Rica, do Panamá e da República Dominicana, governados ao centro, todos os outros países – e os mais importantes – escolheram a Esquerda ou, como não há “extrema-esquerda”, a Nova Esquerda mais ou menos iliberal (equivalente, àquilo que, à direita, poucos hesitariam em chamar “extrema-direita”, agregando-lhe o inevitável “perigo”).
Lopez Obrador no México e Alberto Fernandez na Argentina são exemplos desta nova vaga e as felicitações pela vitória, chegadas a Bogotá vindas de Cuba e da Venezuela, testemunham o regozijo dos compagnons de route. Para já, entretanto, os discursos quer de Petro, quer de Hernandez, foram cautelosos. O novo presidente foi mesmo correcto e tranquilizante.
A marcha deste mundo
“O Senhor conduz a marcha deste mundo”, costumava cantar-se na missa. Haverá nestas três eleições alguma coisa que nos ajude a entender “a marcha deste mundo” e quem é que agora a conduz? É que o Senhor parece ter deixado de o fazer, ou fá-lo-á por caminhos cada vez mais ínvios e linhas cada vez mais tortas.
Foi claro, na Colômbia e em França, com o fim do rotativismo conservadores-liberais e, em França, com a perda da maioria da coligação macronista Ensemble, que o centro e os partidos da esquerda e direita clássicas continuam a perder terreno. Foi também claro que aquilo a que se convencionou chamar “populismo”, por comodidade e interesse, continua em marcha: em França com Le Pen e Mélanchon; na Colômbia com Petro e Hernandez. Já em Espanha, onde a chefia de Estado é monárquica e a questão da unidade nacional central, com a subida do populismo de direita (se assim considerarmos o Vox) e a queda do de esquerda, com o Podemos, o sistema PP-PSOE aguentou.
A guerra da Ucrânia e a gestão política norte-americana e europeia da crise parecem estar a abalar os fundamentos económicos e sociais das democracias liberais, agravando as condições de vida das classes baixas e médias, e alargando o fosso entre “as elites” e “o povo”.
Em termos geopolíticos, basta ver a política e a prática de sanções à Rússia nos vários continentes – Ásia, América Latina e África – para perceber que a contraposição ideológica entre “democracias” e “autocracias”, avançada pela Administração Biden, não será propriamente uma fórmula de sucesso para preconizar uma “vitória das democracias”. Sobretudo se, pensando para além das retóricas de princípios, repararmos que o Euromundo do Hemisfério Norte está cada vez mais longe de ser um modelo universalmente seguido, e que a História não acabou – e as nações e os seus interesses muito menos.