Há 40 anos, Klaus Schwab regressava à Europa, depois de concluir os estudos nos EUA, decidido a importar as práticas empresariais de networking que ajudaram a economia americana a prosperar. Tinha 33 anos.
O local certo para reunir as maiores forças industriais de forma informal, com vista a partilhar experiências e conhecimento, foi a estância de Davos, na Suíça. As conversas descontraídas, em “botas de esqui”, converter-se-iam na maior cimeira mundial da atualidade.
O Fórum Económico Mundial é hoje uma instituição internacional sem fins lucrativos que tem por missão reunir players improváveis para debater qual o caminho para um mundo melhor. Sentar líderes como os de Israel e da Palestina num mesmo painel é o tipo de feitos que tais cimeiras já alcançaram. Porém, enganou-se redondamente quem achou que o mundo cristalizaria. Quarenta anos depois, muita coisa mudou.
Começa a ser cada vez mais óbvio que a nossa sociedade e os seus líderes, eternizados nos locais de decisão, não foram capazes de antecipar e preparar as mudanças culturais a que o mundo global hoje nos obriga. Klaus Schwab, agora presidente do Fórum Económico Mundial, foi um dos primeiros líderes a assumir tal incapacidade. Neste sentido, criou um mecanismo para garantir que, em cada reunião, em cada mesa redonda, as futuras gerações fossem ouvidas.
Assim nasceu uma nova comunidade. Os Global Shapers — ou, simplesmente, Shapers. São jovens com menos de 30 anos que já se destacaram nas suas áreas e que querem contribuir para o bem comum – para uma sociedade melhor.
Certamente que muitos “velhos do Restelo” dirão que os Shapers representam uma geração mal preparada, ignorante e sem experiência de vida. Não será este um dos fatores que mais tem impedido a evolução da nossa sociedade? O saudosismo cego e o apego aos centros de decisão por parte dos mais experientes, que insistem, talvez por medo da mudança, em mantê-los afastados dos mais jovens?
Fará algum sentido avaliar as competências e capacidades dos jovens de hoje à luz daquilo que eram as caraterísticas profissionais mais valorizadas nas décadas passadas? Ou fará mais sentido construir equipas cada vez mais plurais, em que a experiência dos anciãos guia a capacidade avassaladora de criação e inovação dos jovens? No futuro próximo, as soft skills estarão no centro das competências essenciais ao sucesso individual de qualquer jovem, enquanto as hard skills serão automatizadas e assimiladas pela tecnologia.
Embora não tenhamos vivido as privações provocadas pelas guerras, vivemos as revoluções, via digital, enquanto acontecem. Muitos de nós não tiveram de sair do país por necessidade. Fizemo-lo por convicção, por consideramos que, num mundo global, o próprio conceito de “emigração” deixa de fazer sentido.
Costuma dizer-se que o futuro está nas mãos dos jovens. Tal só se tornará realidade se fizermos com que os mais experientes o permitam. Se queremos mudar o nosso país, teremos de construir equipas cada vez mais multigeracionais alicerçadas na energia de pessoas de mente aberta e sem medo de questionar o status quo.
Tomando as lideranças do nosso país enquanto amostra societal faz sentido questionar se uma tal classe, assumidamente envelhecida, terá a capacidade de, sozinha, liderar a inovação e mudança que o país e os seus cidadãos anseiam. Sem inovação não existe crescimento sustentável. E, talvez por isso, as empresas com maior crescimento e sucesso na atualidade, como a Google, a Talkdesk ou a Uniplaces, tendam a construir uma workforce cada vez mais jovem e dinâmica.
Por isso, nós – os Global Shapers – queremos contribuir! Não nos basta o suficientemente bom. Somos mais ambiciosos do que isso, mas não o somos pela juventude. Somos assim, porque escolhemos começar, porque queremos continuar sempre jovens, sempre ativos e sempre abertos à novidade. Essa é a nossa virtude, a nossa diferença, porque começar é uma urgência da vida. Tão grande desafio, de que muitos fogem por ser difícil, combate-se no quotidiano.
Começar, por si só, já é metade da vitória, porque nasce da coragem de aparecer e pôr mãos à obra. Assumimos que tentamos e queremos assegurar a muitos outros que não estão sozinhos. Respeitamos, mas não reverenciamos. Somos contra qualquer tipo de preconceito, racial, religioso ou sexual. Mais do que abraçar a tolerância, promovemos a consideração, o reconhecimento, o respeito e a inteligência, porque a multiculturalidade e a diversidade alimentam e enriquecem a sociedade e os indivíduos.
Não somos todos iguais, nem queremos ser. Não gostamos todos do mesmo, não votamos todos nos mesmos, não rezamos – os que rezam – todos ao mesmo. E isso valoriza-nos. Queremos ser sempre assim: livres no pensar, no querer e no agir. Para nós, a liberdade é inegociável.
Damos a cara. Pelo país, acima de tudo. Não por patriotismo ou dever (ninguém ama obrigado), mas por convicção. Portugal, que já deu muito ao mundo, deve continuar a fazê-lo.
É verdade que o país não tem dado tanto quanto poderia. Tem falhado aos portugueses e também às outras nações que esperam de nós a garra e o rasgo de outros tempos. Faz falta um Portugal jovem, polido, dinâmico, na frente. Arrojado sem ser ridículo. Moderno e consciente da sua história. Cosmopolita e solidário. Um país com oportunidades para todos, onde é o mérito e não o cartão de militância, o nascimento ou as amizades, que determinam o que se alcança.
Queremos construir esse Portugal.
Acreditamos que há muita massa crítica, muito conhecimento, muita vontade, mas falha a iniciativa. Temos muitos chefes e poucos líderes. Muita conversa e pouca concretização. Precisamos de debater os problemas, desinquietar consciências, mexer com as pessoas e dar espaço ao espírito crítico.
Não temos medo de ser ambiciosos, de querer ser os primeiros, de arriscar e de valorizar quem o faz. E se apenas alguns serão capazes de mudar o mundo, não será hora de deixarmos de gastar as nossas energias a invejá-los e começarmos, em vez disso, a celebrá-los? É hora de avançar e deixar para trás o choradinho, a resignação, o receio e o respeitinho, todos mais portugueses do que a saudade. Não temos saudades do que fomos, temos é pressa de chegar ao que seremos.
Somos daqueles que começam, sim, e começar também é isto: mostrar ao que vimos, no que acreditamos e o que ambicionamos. O país com que sonhamos estará sempre por acabar, mas queremos começá-lo já para que o possamos viver um dia. Somos os Global Shapers de Lisboa.
Francisco Goiana da Silva tem 28 anos. É médico, docente na área de Gestão e Inovação em Saúde na Faculdade de Medicina da Universidade da Beira Interior e assessor do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde. Formado na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, tem um Mestrado em International Health Management pelo Imperial College de Londres e é pós- graduado pela Harvard School of Public Health. Foi o primeiro Global Shaper português a participar nas reuniões do encontro anual do Fórum Económico Mundial em Davos (2014). Lidera, atualmente, o grupo dos 27 Global Shapers de Lisboa.
O Observador e os Global Shapers Lisbon (comunidade do Fórum Económico Mundial) iniciam hoje uma parceria que, todas as semanas, irá abordar um tópico relevante da sociedade nacional visto pelos olhos de um destes 27 jovens líderes portugueses. Ao longo dos próximos meses, jovens Shapers de diferentes áreas de atividade — com perfis tão diversos, como Vhils (escultor), Miguel Santo Amaro (empreendedor) ou Rui Maria Pego (apresentador) — partilharão com os leitores a visão dos Global Shapers para o futuro do país.