É caso para perguntar se não chegámos com estas eleições presidenciais ao grau zero da política? É como se se tratasse do anti-climax de umas legislativas que, apesar de terem sido ganhas pela Coligação PDS+CDS, acabaram por proporcionar uma reviravolta inesperada em favor de uma «frente popular» na qual os pequenos parceiros da «esquerda» se agitam dominadoramente em torno de um PS sem rumo definido. Com efeito, assim como o presidente da República em exercício e os partidos da antiga coligação não souberam defender-se do ataque frentista, o seu suposto candidato à presidência, largamente maioritário nas escassas e pouco confiáveis sondagens, optou por desvalorizar as eleições, envergando as vestes reconciliadoras de um futuro pater familias exclusivamente empenhado em coadjuvar o actual governo.

É difícil medir o impacto dessa deliberada desvalorização da própria presidência da República na abstenção de domingo que vem, mas já temos provas estatísticas claras do baixíssimo interesse que o eleitorado atribui às eleições. Curioso é que, perante tal desvalorização do cargo, nenhum candidato relevante propôs uma séria reforma constitucional a fim de futuros candidatos não prometerem o que, segundo eles, não podem fazer. Em 2006, quando não havia candidato incumbente, a participação foi de 61%; domingo, se for 50% será uma sorte! E como não havia de ser assim?

Com um candidato previsivelmente vencedor entregue à mais rasteira das campanhas perante o recuo do PS, que não se atreveu a assumir um candidato próprio, a questão que se coloca não é tanto o ruído de fundo em torno das chamadas «direita» e «esquerda», mas sim a questão de saber se – sim ou não? – o país vai completar a recuperação económica e financeira empreendida após a virtual bancarrota de 2011 ou se vai desbaratar os poucos ganhos conseguidos e cair numa nova forma de resgate. Por outras palavras, se a «frente popular» vai adoptar o «modelo grego» de tomar o poder a toda a custa, nem que seja para fazer aquilo que os credores exigirem de forma a conseguir fechar as contas de cada mês, tal como fez o Syriza e o PSOE aliado ao Podemos ameaçam fazer na Espanha aqui ao lado?

É preciso não esquecer que o objectivo último, se não dos partidos socialistas, seguramente o dos seus aliados «à «esquerda», é fugir às regras de funcionamento da moeda única europeia, se necessário saindo do euro, mas ficando naturalmente com as rédeas da economia, do emprego público e das empresas nacionalizadas na mão. Se António Costa e Pedro Sánchez não querem assumi-lo, os aliados sem os quais eles não governam nem governariam, estes, não se ensaiam nada para o proclamar. E saír do euro não seria uma mera questão monetária. Ora, são estas as perguntas às quais queríamos que os candidatos respondessem concretamente, em especial aquele que mais tem desvalorizado as eleições, como ele próprio diz, e do mesmo passo desvaloriza a própria presidência da República! Ou acham que um presidente da República não tem competências para tanto? É só para «ajudar» qualquer governo que consiga chegar ao poder com uma maioria avulsa no parlamento?

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O único despique com algum significado político-partidário nestas eleições é o cisma persistente no PS. Não é com efeito a primeira (Zenha vs Soares) nem a segunda vez (Alegre vs Soares) que isso acontece. A única explicação para o silêncio de António Costa é que não há um candidato dito de «esquerda» capaz de ganhar esta eleição: os putativos ganhadores devem estar todos indisponíveis nos seus escritórios… Será então que o cisma se reduz à divisão do trabalho entre o verbo (Nóvoa) e a acção (Maria de Belém)? Pouco provável. Ou será entre a retórica, para não dizer a ideologia, e a tecnocracia, para não dizer os interesses?

Em todo o caso, com menos de um terço dos votos no parlamento, é o PS no seu pior. Sempre com um olho na «esquerda» e outro na «direita», parece estar pronto a qualquer aliança, desde que chegue à mesa do orçamento, que é a concepção que o partido tem do poder político. Por isso foge da austeridade e daí a sua tendência, repetida até à exaustão, para a bancarrota que uma vez mais nos espera – os sinais já estão todos aí ao fim de dois meses! – no caso de a UE não pagar a sua fúria despesista, agora sob a forma de uma «reversionite aguda»!

Resta uma dúvida metódica, que seguramente não deixará de tirar o sono ao líder do PS e aos seus aliados. E se a esquiva figura do antigo comentador de televisão, que não parece especialmente preparado para os problemas mais bicudos da economia e das finanças, descobrir com o andar da carruagem, ou seja, quando os credores apertarem com governo, como já começaram aliás a fazer, que o novo Presidente não estará em condições de garantir a permanência da «troika» esquerdista em frente da «troika» europeia? Em suma: e se o presidente deixar de ser comentador e decidir convocar novas eleições? O que fará o PS? Finalmente, resta saber se a antiga coligação ainda existe e se estará à altura de novo desafio com uma presidência tão «desvalorizada»? Muitos problemas nos esperam!