17 de Abril de 1969. A rebeldia e o pensamento libertino, oriundos da massa estudantil de Coimbra, geraram, durante séculos, um oásis de versatilidade intelectual que a elevaram a um patamar mais ou menos único de reflexão e de incentivo à evocação do espírito crítico, num sentido amplo da “coisa”. Abril de 1969 foi simplesmente mais um episódio desta longa e desafiante travessia pelo deserto moribundo de ideias e políticas impostas a uma geração que não se vergou. À época, Alberto Martins, presidente da Direcção-Geral da Associação Académica de Coimbra, pediu cordialmente o uso da palavra durante a cerimónia de inauguração do novo edifício das Matemáticas da UC, perante uma plateia atestada por nomes “de peso” do Estado Novo, estrategicamente circundada por PIDE’s atentos aos movimentos mais duvidosos do corpo estudantil mais “insurrecto e perturbador”, pensavam decerto. A Alberto Martins foi-lhe negada a palavra: tinha início a Crise Académica de 1969, numa luta contínua pela “democratização do ensino”, pela “reintegração de professores”, pela liberdade de pensamento” e por aí adiante. Foi há 52 anos que os estudantes de Coimbra foram objecto de constantes cargas policiais, a mando de um regime podre como as cadeiras da Faculdade de Direito (talvez hoje já se encontrem melhorzitas, mais saudáveis e devidamente envernizadas) e que impunha aos estudantes doutrinas e assuntos gastos, alimentados pela velhaca filosofia de pão e circo, à boa maneira da II República Portuguesa.

Tal como agora, a luta da academia coimbrã perdurou e perdurou. Sem se curvar perante a falsa lucidez desta espécie de nova “brigada do reumático”. O regime vigente de então tremeu de tal forma como se de um pequeno vulcão prestes a entrar em erupção se tratasse, procurando, até, abafar Coimbra do resto do país. A angústia e a inoperância do mesmo eram tão intensas como aquela que sentiu a repórter da CMTV quando resolveu abordar um ex-primeiro-ministro ilibadíssimo numa esplanada, enquanto bebia um fino. Adiante. A muitos estudantes, o Estado Novo exigiu o serviço militar, e, consequentemente, a ida para um Ultramar em guerra há quase uma década. Foi a solução encontrada. Foi a solução extrema encontrada, de cariz desesperante. Mas o tiro saiu-lhes pela culatra: nos quartéis, a palavra de rebelião, com base naquilo que se ia vivendo por Coimbra, era passada, para espanto de muitos que desconheciam por completo o que por lá se passava. Era apenas o resultado da tentativa de amordaçar a voz da sensatez, a voz de uma academia revoltosa e que foi o farol da liberdade – a par dos Congressos da Oposição Democrática, bem ali ao lado, em Aveiro, poucos anos mais tarde. No entanto, em Coimbra, o luto académico seguia, alimentado por reuniões, ora clandestinas ora nas várias esplanadas dispersas pela Praça da República, sem necessidade de distanciamentos sociais ou máscaras. Ainda não existia ASAE, mas proliferavam PIDE’s em esquinas e não só (falo dos bufos, estão a ver?).

Abril de 1969 rasgou aquele trilho compactado por uma vegetação arcaica e de pensamento à “Walking Dead” ruralizado, e fê-lo “caminhável” rumo a Abril de 1974. A voz amordaçada, a voz silenciada transformou-se no trampolim para o pensamento livre e crítico. Mas importa dizer: convém (mesmo!) que a rebeldia da academia coimbrã de 1969 jamais se esgote, pá! Para bem de todos, faz falta, sim.

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