Tem havido muitas referências à falta de professores no ensino básico e secundário. Os Governos têm sofrido uma grande pressão para aumentarem o número de docentes, porque eles estariam a fazer falta e viriam a fazer ainda mais falta no futuro.  Isso significaria aumentar a oferta de lugares nos cursos de formação, aumentar o número de colocações no sistema púbico de ensino e aumentar os vencimentos a fim de melhorar a retenção dos que já lá estão e atrair mais licenciados para a profissão. Estes objetivos são aparentemente simpáticos, mas deparam-se com alguns factos dissonantes, em contradição com a alegada falta de professores.

Vejamos os factos.

O primeiro, bem conhecido de todos, é a evolução demográfica da população jovem em Portugal. Entre 2000 e 2021, o número de alunos no ensino Básico diminuiu 25,4%. A redução no ensino secundário foi de 5,7%. Esta última redução ocorreu apesar da expansão do Secundário com a introdução da obrigatoriedade do 12.º ano.

Quanto ao futuro, apesar de alguma volatilidade, as projeções da população para Portugal indicam inequivocamente que a população em idade escolar continuará a contrair nos próximos anos. De acordo com as projeções do Eurostat, a população correspondente às idades dos alunos do primeiro ciclo do ensino básico irá decrescer 4,6% até 2035, e 7% até 2045. A população com idade para o Secundário irá ter uma queda de 14,2% até 2035 e de 15,4% até 2045. Para a totalidade dos ensinos Básico e Secundário a população irá diminuir 9,2% até 2035 e 10,6% até 2045.

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O segundo facto, menos conhecido do público em geral, é que o número de alunos por professor em Portugal tem vindo a baixar significativamente ao longo dos anos. Usando a informação estatística disponível no Pordata, foi possível elaborar a Figura 1, onde se mostra a evolução deste indicador ao longo dos anos.

Figura 1. Alunos por Professor 1960-2023

A Figura 1 permite leituras mais detalhadas, mas o facto essencial é que o rácio alunos por docente tem vindo a descer. Para o conjunto dos ensinos Básico e Secundário, o rácio passou dos 30 em 1961, para 14 em 1990, e para uns extraordinários 10 em 2023. Um sistema com apenas 10 alunos para cada formador dá razões para suspeitar que a forma como os recursos humanos estão a ser geridos tem falhas a precisarem de ser corrigidas urgentemente.

Perante estes dados haverá quem argumente que a nossa situação talvez não seja peculiar, mas semelhante à de outros países. Será mesmo? Vejamos o terceiro facto: os dados internacionais. Para isso podemos consultar o Eurostat, o centro estatístico da União Europeia. Em 2022, o último ano com dados disponíveis, a média dos alunos por docente no conjunto dos ensinos Básico e Secundário nos 27 países da União Europeia foi de 12,1. Em Portugal, esse número foi de 10,2, ou seja, o número poderia aumentar quase 20% até chegarmos à média europeia. Se considerarmos alguns países específicos, os números são ainda mais impressionantes. A média de alunos por docente foi de 13,3 na Alemanha, de 15 na França e de 16 na Holanda.

Podemos ser mais específicos e considerar apenas o Secundário. Em 2022, no Secundário, a média do número de alunos por docente na EU 27 foi de 11,2 ao passo que em Portugal esse número foi de apenas 9,3. Por comparação, o número na França foi de 11,5, na Alemanha foi de 12 e na Holanda foi de 16,8. Para chegarmos aos valores da França, o número de alunos por docente em Portugal deveria aumentar cerca de 24%.

O quarto facto sobre o número de alunos por docente vem das estatísticas que comparam os ensinos público e privado em Portugal. O Pordata permite-nos apurar os dados nas Figuras 2 e 3.

Figura 2. Alunos por Docente em Portugal no 1.º Ciclo do Ensino Básico, Público e Privado

No 1.º ciclo do ensino básico, desde os anos 90 que o ensino público tem menos alunos por docente que o privado, ou, se assim preferirem, mais docentes por cada 100 alunos. Em 2022, o indicador no setor privado era 23% maior que no púbico. Apesar disso, e mesmo tendo as famílias de pagar mensalidades por oposição ao ensino público gratuito, não há dúvidas sobre a capacidade de atração do ensino privado já que, desde 1990, a proporção de alunos no ensino privado tem vindo a subir.

A situação é ainda mais contrastante nos 2.º e 3.º ciclos do Básico e no Secundário, como pode ser visto na Figura 3.

Figura 3. Alunos por Docente em Portugal no 2.ºe 3.º ciclos do Ensino Básico e Secundário, Público e Privado

Para o Básico acima do 1.º ciclo e para o Secundário, desde os anos 90, o número de alunos por professor é menor no ensino público. O contraste acentua-se desde então pois a tendência é para o número aumentar no setor privado enquanto diminui no setor publico. Esta diferença nos níveis e nas tendências tem vindo a ocorrer a par de um crescimento da procura do ensino privado, já que a sua proporção de alunos tem vindo a aumentar, também desde os anos 90. Isso só pode significar que, apesar de um maior rácio no setor privado, tal como acontece no ensino primário, crescentemente as famílias estão a avaliar a qualidade do ensino privado como melhor, justificando o pagamento de mensalidades, apesar da gratuitidade do ensino público.

Os factos apresentados devem ser interpretados tendo em conta alguma informação sobre o contexto. O número de alunos por professor é mais baixo que o número de alunos por turma, porque há professores que gastam uma parte ou o todo do seu tempo noutras funções que não as docentes. No entanto, isso é verdade para os ensinos público e privado e também é verdade quando fazemos comparações internacionais. As comparações internacionais indiciam também que a explicação não pode estar nos alunos com necessidades especiais, até porque estes casos não são em número suficiente para justificar as diferenças encontradas.

O reduzido número de alunos por professor em Portugal, sobretudo no ensino público, deve-se provavelmente a uma combinação de dois fatores: uma má utilização do tempo dos professores, com excessivo tempo gasto em tarefas de pouco valor, e a existência de turmas em média demasiado pequenas.

O envelhecimento da classe docente é outra dimensão do problema.  Devido a este envelhecimento será expetável um aumento das aposentações nos próximos anos. No entanto, é sabido que devido às regras vigentes no sistema público, os professores com mais idade ensinam menos horas, pelo que a sua aposentação terá um impacto real substancialmente mais pequeno do que se poderia esperar. Sendo o ponto de partida uma situação em que, agregadamente, não há professores a menos, não é claro que o impacto real destas aposentações supere os efeitos contrários da evolução demográfica e das melhorias viáveis na produtividade.

Uma última informação de contexto relevante é o facto de o número de professores ser elevado face ao número de alunos não querer dizer que não existem situações em que há défice. Podemos ter professores em excesso no total, mas mesmo assim faltarem professores de Matemática, ou faltarem professores em regiões específicas do país. No entanto, se há situações em que os professores podem estar em falta, muitas mais haverá em que o número pode ser excessivo, e esse é um problema que ninguém está a tentar resolver, antes pelo contrário.

Em conclusão, mais do que aumentar o número de professores, a prioridade deveria ser geri-los melhor, atribuir-lhes funções com mais valor social e educacional, sobretudo diretamente no ensino, e aumentar, pelo menos ligeiramente, a dimensão média das turmas.