O acesso à habitação condigna e a custo acessível é, sem dúvida, um dos principais desafios da atualidade enfrentados tanto a nível nacional como europeu. Este problema, transversal a todos os estratos sociais, reflete-se fortemente em diferentes regiões, refletindo uma crise de alcance global. A 18 de julho de 2024, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, reafirmou o seu compromisso com esta questão, destacando a nomeação de Dan Jørgensen como o primeiro Comissário da UE com responsabilidade direta pela habitação e propondo o lançamento do Plano Europeu de Habitação a Preços Acessíveis para o período de 2024-2029.

A importância desta decisão reside no reconhecimento de que a habitação não pode ser apenas um bem de mercado, mas deve ser vista como um direito fundamental que garante a coesão social e a dignidade humana. Os dados são claros: segundo o Eurostat, dezenas de milhões de europeus enfrentam despesas de habitação que comprometem a sua qualidade de vida. Este peso económico é, particularmente, evidente em Portugal, onde o custo das habitações mais do que duplicou entre 2010 e 2023, tornando o país um dos que mais sentiu a valorização imobiliária na Europa. Este aumento reflete-se no orçamento familiar, com as famílias portuguesas a dedicarem em média 40% dos seus rendimentos mensais às despesas de habitação, um valor consideravelmente superior aos 30% que são internacionalmente considerados como o limite de acessibilidade. Este cenário intensifica as desigualdades, obrigando 47% dos jovens europeus, com idades entre os 18 e os 34 anos, a permanecer na casa dos pais por falta de alternativas viáveis.

O reconhecimento da urgência do problema por parte da Comissão Europeia é um sinal positivo. No entanto, o desafio reside no desenvolvimento eficaz do Plano Europeu de Habitação a Preços Acessíveis. Este plano deve não só abordar os fatores estruturais que perpetuam a crise habitacional, mas também ser um catalisador de ações concretas nos Estados-Membros. Daí a importância do trabalho conjunto com o Banco Europeu de Investimento para criar uma plataforma de investimento pan-europeia focada na habitação sustentável e acessível, atraindo investimentos públicos e privados e maximizando os fundos da política de coesão.

Portugal já iniciou este caminho com o programa “Construir Portugal”, que visa construir 59 mil novas habitações até 2030, utilizando financiamento do PRR e do Orçamento do Estado. Este programa procura também mobilizar o mercado em todas as suas vertentes – privado, público, social e cooperativo – para enfrentar a crise de acessibilidade. Contudo, os desafios são significativos: a escassez de mão-de-obra, a burocracia no licenciamento, os atrasos na contratação pública e as dificuldades no acesso a financiamento são obstáculos que podem comprometer o sucesso destas medidas.

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A situação atual exige uma abordagem inovadora e integrada, que inclua políticas de incentivos fiscais, programas de reabilitação urbana, e o fortalecimento do parque habitacional público. Medidas como a isenção de IMT e imposto de selo, a requalificação de imóveis públicos, o programa Porta 65 Jovem, a majoração de aproveitamento urbanístico, a revisão de contratos de arrendamento, o arrendamento acessível para jovens e famílias, e o incentivo à reabilitação urbana são essenciais para fomentar um mercado habitacional mais justo e inclusivo. A habitação para idosos e as cooperativas de habitação também devem ser promovidas para garantir que os mais vulneráveis não sejam esquecidos.

Em última análise, a habitação deve ser entendida não apenas como um teto, mas como a base sobre a qual se constrói uma sociedade coesa e equitativa. A União Europeia tem a oportunidade e a responsabilidade de liderar pelo exemplo, proporcionando as condições necessárias para que cada cidadão tenha acesso a uma habitação digna e acessível. Esta é uma ação que não só respeita os direitos humanos fundamentais, mas que também fortalece a estrutura social e económica da Europa.

Portugal, através do atual Governo, tem mostrado um compromisso real com esta causa, mas a eficácia das medidas dependerá da capacidade de superar os desafios existentes e de promover uma colaboração ativa entre todos os setores da sociedade. Só assim será possível transformar a promessa de habitação condigna para todos em realidade.