A opção pela intervenção pública no mercado de habitação, manipulando os preços e desincentivando o investimento, é questionável. Se por um lado parece resolver o problema no curto prazo, atribuindo a custo reduzido e por vezes quase zero casas a quem delas precisa, pode no médio e no longo prazo alimentar esse mesmo problema ao longo de décadas e de gerações. A pobreza crónica e geracional precisa de outro tipo de intervenção, que quase sempre deixamos esquecida. Facilitar mais construção, desburocratizando e desagravando fiscalmente, permitiria uma solução de prazo mais alargado. A aposta na rede de transportes das áreas metropolitanas e na oferta de lugares de estacionamento na periferia, também permitiria melhorar a qualidade de vida nos concelhos suburbanos, aliviando ao mesmo tempo a pressão urbanística sobre o concelho central.

Tudo isto ficará para próximas análises. A opção atual em Lisboa foi pela “renda acessível” e temos todos a obrigação de trabalhar para que esta opção contribua tanto quanto possível para melhorar a qualidade de vida dos lisboetas.

O Processo de Loteamento do Alto do Restelo, na freguesia de Belém, em Lisboa (8/URB/2020) é promovido pela Câmara Municipal de Lisboa no âmbito do Programa de Arrendamento a Custos Acessíveis (PACA).

A participação dos munícipes na primeira Consulta Pública e a pressão exercida pelas associações de moradores junto do executivo conseguiram já introduzir algumas melhorias na proposta inicial. Nomeadamente: reduzir o índice de edificabilidade para um máximo de 1,1 – próximo ao da envolvente –; reduzir o número médio de pisos para 6; reduzir a superfície de pavimento de habitação, aumentando a superfície de pavimento para outros usos, nomeadamente creche e pavilhão desportivo; e ainda criar 510 novos lugares de estacionamento públicos. Um bom exemplo de como a participação pública na vida política é importante e dá frutos.

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Outros problemas, no entanto, persistem.

Uma das questões mais referidas na primeira Consulta Pública foi o impacte que o incremento populacional provocado teria em termos de acessibilidades. Ainda que a proposta revista tenha reduzido em 27% esse incremento, continua a representar um aumento de 6% da população da freguesia de Belém e um aumento muito maior se considerarmos a área do Alto do Restelo em que o projeto se insere. A este respeito, a proposta revista limita-se a referências vagas como “intensificação das carreiras”, “ajuste dos percursos” e “novos serviços caso seja necessário”. De concreto, nada. Preocupante, quando estamos a falar de uma freguesia periférica da cidade que já sofre com a falta de transporte público. A dependência que existe do transporte privado, aliada ao incremento populacional, irá inevitavelmente agravar o congestionamento rodoviário. O projeto de ligação de metro ligeiro de superfície do LIOS irá ajudar, mas por enquanto está apenas “previsto” e é para 2026! E até lá? – perguntamos ao executivo. A cidade que foi Capital Verde em 2020 merece melhor.

Na rede de educação, ainda que o projeto agora revisto tenha contemplado o alargamento em termos de creche, não prevê solução para o aumento do número de alunos de nenhum dos três ciclos. Importa saber que a oferta já é insuficiente para a população atual, havendo todos os anos alunos forçados a estudar noutras freguesias.

Na rede de saúde, o mesmo. Existe um novo centro de saúde no Alto do Restelo, mas a funcionar ainda em fase preliminar. A freguesia continua a ser incapaz de assegurar médicos de família para os atuais residentes. Como se propõe assegurar o direito à saúde dos mais de mil novos residentes que o projeto prevê? Não há resposta a esta pergunta na proposta camarária.

Em suma, o projeto pretende mitigar um problema que é grave, o da falta de oferta de habitação, agravando como consequência outros igualmente graves de que a população já padece.

A habitação não se resolve esquecendo que a vida digna precisa de mais do que de apenas casas. No primeiro mundo, a que os portugueses gostam de considerar pertencer, valências como mobilidade, educação e saúde têm de ser salvaguardadas. Não é o que está a ser feito neste caso.