A herança é uma lotaria social, derivada do berço onde nascemos, sem escolha prévia da condição social e económica em que iremos viver. Portugal ainda é um país desigual, tendo aumentado a acumulação de riqueza nas mãos de uma pequena parte da nossa população. A nível mundial, 10% dos mais ricos concentram em si, 50% de toda a fortuna mundial e Portugal fixa-se como o segundo país em que a concentração de riqueza mais ocorre, em que 1% da nossa população acumula 23% de toda a nossa riqueza nacional.

Não é automática a dissociação da acumulação de riqueza e sucesso financeiro e o início da vida profissional já com um grande impulso, derivado de heranças milionárias que possibilitam iniciar uma vida que de outra forma seria mais complexa e tardia, como nos revela um estudo elaborado no ano de 2022 pela American Economic Journal. Neste estudo, conclui-se que a mobilidade que sucede entre gerações nas famílias em Florença, em virtude da passagem de elevadas fortunas sucessórias, permitiu que estas famílias continuassem a ser as mais ricas e as mesmas do século XV, o que faz com que possamos concluir que existe uma grande diferença entre começar do zero ou começar com uns milhares de euros. De facto, um outro estudo arquitetado pela UBS Billionaire Ambition Report, conclui que a riqueza acumulada pelos bilionários é maioritariamente transmitida via heranças e não decorrente do trabalho ou empresa(s) criada(s).

Num mundo de elevada desigualdade de rendimentos do trabalho, podemos inferir que o peso das heranças contribui ainda mais para o aprofundar deste fosso, como nos indica o World Inequality Report 2022. Destarte, a maioria dos países da união europeia (18) e OCDE, possui um imposto sobre as heranças e doações que ocorram em vida, sendo ele progressivo. A OCDE indica que este imposto poderia permitir que se mitigassem as desigualdades. A maioria dos portugueses considera que existe uma elevada desigualdade e também a maioria é favorável à intervenção do Estado na correção e redução dessas desigualdades. Também a grande maioria dos portugueses considera que nascer num “berço de ouro” ou receber uma elevada herança, é meio caminho andado para ter sucesso na vida. Porquanto, o nosso país, no ano de 2004 extinguiu o imposto sucessório, assim como, as doações passaram a ser tributadas via imposto de selo (no valor de 10%). Sabemos ainda, que se este imposto fosse criado e aplicado somente às heranças superiores a 1 milhão de euros, somente afetaria 1.6% da população portuguesa, uma pequena percentagem de uma balança desigual. Porquanto, à luz da comissão europeia, o imposto que incide sobre as doações e sucessões gerou uma receita de 100 milhões de euros, ao passo que, o imposto de selo gera somente 2 milhões de euros, insuficiente para financiar uma medida que vise uma verdadeira mitigação das desigualdades no nosso país.

Ora, poder-se-ia criar um imposto sobre as grandes doações e heranças que fosse por exemplo, superior a um determinado montante (na casa dos milhões), com taxas progressivas em função do valor da herança. O valor arrecadado com este imposto seria para financiar a medida da herança social, não obstante o Estado poderia igualmente investir na compra de certificados de aforro, sendo que tal receita acumulada seria à posteriori distribuída por cada criança aquando completasse a maioridade e o valor atribuído seria em função dos rendimentos familiares e/ou próprios à data.

Uma política como a herança social merece discussão e debate. O montante que fosse atribuído iria permitir que os jovens independentemente do berço em que nascessem, teriam uma herança que não fosse sujeita a uma lotaria e que possibilitasse por exemplo, o investimento num curso superior, abrir uma empresa já com algum capital inicial, dar entrada de uma casa, viajar pelo mundo, entre outras aplicações. Desta forma, estaríamos a conseguir mitigar desigualdades entre aqueles que têm a sorte de receber uma fortuna transmitida pelos “de cujus” e aqueles que estão entregues à sua sorte. Um Estado social que compreenda e reconheça as desigualdades existentes, tem de ser capaz de alterar o curso da injustiça social e económica que ainda prolifera na nossa atmosfera comunitária.

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