Os humoristas têm a reputação de fazer troça dos sentimentos e das opiniões das pessoas que se riem por causa deles, e por isso de não ter sentimentos; e os sentimentais têm a reputação de se ofender com os humoristas. As duas reputações são imerecidas: a segunda, porque parece ser mais que um rumor ou uma reputação; e a primeira, porque é imerecida.
Os sentimentais são famosamente peludos. Basta fazer troça dos sentimentos que mais têm em conta para que os seus pêlos se ericem e exibam todas as características que recompensam a troça. Por outro lado, os humoristas precisam dos sentimentos daqueles que os ouvem. Esses sentimentos constituem indicadores indispensáveis de que os seus objectivos estão a ser atingidos. O especialista em monólogos cómicos requer que as pessoas para quem está a falar se riam.
Para complicar as coisas, os sentimentais nunca costumam ser completamente sentimentais a não ser sobre si próprios. Mostram regra geral em relação aos sentimentos alheios a indiferença que muitos imputam aos humoristas. Choram em público, e choram por chorarem em público; e choram de fúria quando se faz troça da sua choradeira. Tudo isto depende de uma enorme aptidão para não se deixarem comover ou distrair por outras coisas. Esta é justamente a fama que os humoristas têm: a fama de não ter sentimentos. Como os cientistas, os humoristas parecem funcionar por objectivos.
O teste para esta tese consiste em saber se será possível ofender um humorista. A experiência parece indicar que sim. Muitos humoristas derivam uma grande quantidade de energia humorística daquilo que os ofende. Vêem frequentemente a sua actividade como uma missão; e a sua missão consiste em reagir a ofensas e defender causas. Ora não é possível ficar ofendido se não tivermos convicções firmes sobre aquilo que nos ofende; e é a essas convicções que se chama normalmente sentimentos.
Acresce que não é exequível ofender ininterruptamente e de um modo deliberado quem nos ouve. Qualquer humorista, mesmo principiante, quer ofender um bocadinho quem o ouve; mas também quer que todos se riam, e não quer que se riam de coisas que reprova. A extensão da sua ofensa é definida pelo compromisso entre os sentimentos que atribui a quem o ouve e as suas próprias convicções, que naturalmente tem. Não se trata porém de um caso especial: os humoristas têm convicções porque toda a gente tem convicções; e têm sentimentos porque quem tem convicções tem sentimentos. Um humorista ofendido é exactamente igual a um sentimental ofendido.
Tal como não nos devemos comover quando um cientista fala em factos para sugerir que não tem convicções, assim devemos desconfiar dos humoristas que acreditam que fazem troça de tudo porque não têm sentimentos. Como os cientistas, e os outros sentimentais, os humoristas só falam do que falam porque têm sentimentos; e como ao resto de nós, nada os enfurece mais do que alguém fazer troça dos sentimentos que têm.