Há dias, um amigo disse-me, a propósito do AI Act europeu, que “Estados Unidos inovam, China copia e melhora e a Europa regula”. E esta tem sido, de facto, a realidade das últimas décadas, como se a Europa quisesse ser um árbitro num jogo de regras definidas e onde o mundo rodasse à sua volta. Esta mania contínua europeia de quem tem a nostalgia das descobertas marítimas do século XVI parece não ter fim. Agora, deparamo-nos com a regulação da inteligência artificial (IA), uma área desconhecida que muitos chamam de “a 5.ª dimensão” (certamente aqueles com mais de 40 anos se recordam da fantástica série de Twilight Zone… e entendem esta analogia).

O AI Act europeu, destinado a ser uma estrutura abrangente para regulamentar a Inteligência Artificial, representa tanto uma oportunidade quanto uma armadilha. É um passo meritório, mas atenção … A Europa tem um histórico robusto de regulação, como temos visto nos diferendos com os gigantes tecnológicos como Apple, Google, Meta e Microsoft (veja-se o que se está a passar atualmente com os processos e investigações em curso da União Europeia). Estas batalhas, embora às vezes necessárias para proteger a privacidade e os direitos dos consumidores, também ilustram a tendência europeia de se colocar como o polícia do mundo digital.

Os riscos associados ao avanço tecnológico da Rússia e da Ásia não podem ser ignorados. Estes países estão a investir massivamente em IA, cibersegurança e outras tecnologias disruptivas, criando uma paisagem geopolítica desequilibrada. A Europa, ao focar-se intensamente na regulação, pode estar a subestimar a importância de fomentar a inovação, que não pode ter demasiadas limitações à criatividade, dentro das suas próprias fronteiras. Analisem o top 100 de empresas mundiais e quantas empresas da União Europeia lá estão (16 apenas). Enquanto os Estados Unidos e a China avançam a passos largos (9 em 10 empresas no top 10 mundial), a Europa arrisca-se continuamente a ficar para trás, por estar presa nas suas próprias burocracias.

O mundo atual é impulsionado por uma inovação tecnológica sem precedentes. A IA, bem como outras tecnologias disruptivas, estão a transformar indústrias, a otimizar processos e a criar novos modelos de negócio e mercados. Para assegurar a competitividade europeia, não basta apenas regular, importa ter uma abordagem equilibrada que combine a necessidade de regras com a capacidade de inovar, com claros benefícios fiscais à inovação. A regulação deve ser um facilitador, não um obstáculo. Devemos criar um ambiente onde as empresas europeias possam competir globalmente, ao mesmo tempo que protegemos os nossos valores e interesses europeus, nomeadamente com a reindustrialização de cadeias produtivas do espaço europeu. Mas para inovar tecnologicamente, para dinamizar a indústria e para incentivar o empreendedorismo e a investigação e desenvolvimento, importa definir estratégias globais, de clusters e ecossistemas europeus e investir efetivamente num espaço único europeu comum.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

É essencial reconhecer que a Europa não é mais o centro do mundo, mas pode ser um jogador crucial e adaptável a novas realidades imprevisíveis geopolíticas e económicas.

Ao regular a IA, a Europa deve evitar a armadilha de se ver como o motor do mundo. Em vez disso, deve focar-se em ser um participante ativo e inovador no cenário global. A regulação não deve ser vista como um exorcismo para eliminar os demónios (imparáveis) da tecnologia, mas sim como uma ferramenta para orientar e fomentar o progresso. Precisamos de uma abordagem dinâmica que reconheça as rápidas mudanças do mundo tecnológico e que esteja pronta para adaptar-se e evoluir.

Em conclusão, a Europa deve reaprender a investir no seu modelo económico comum, aprofundando um modelo único político, diminuindo o seu passado regulador, quase ao nível do “parafuso” e olhando para o futuro com uma visão de inovação e competitividade. Regular sim, mas com a capacidade exigente de inovar e liderar no novo mundo da inteligência artificial (e não só). Só desta forma poderemos assegurar um futuro promissor e equilibrado para a Europa.