A transformação digital, tal como uma verdadeira onda gigante da Nazaré, está a criar várias tensões nos gestores empresariais, condicionando a forma como tomam hoje as suas decisões. Mas também os colaboradores estão a ter de se adaptar muito rapidamente, com uma mudança estrutural na forma como conjugam a sua vida pessoal e profissional. Desde logo porque deixam de trabalhar com horários fixos das 9h às 17h, estando cada vez mais em modelos orientados a objetivos de entregas de tarefas com horários 24×7. Estas tensões top-down e bottom-top forçam as lideranças a reavaliarem continuamente as suas estruturas e processos, com impacto central destas verdadeiras revoluções na cultura organizacional, um elemento essencial que pode determinar o sucesso ou o fracasso das iniciativas que se realizam, nomeadamente as digitais. A adaptação a uma cultura digital é muito mais que uma questão de tecnologia (na realidade, pouco tem a ver com tecnologia), mas envolve mudanças profundas na mentalidade, nos valores e nos comportamentos existentes dentro das organizações.

Uma cultura organizacional da era digital preconiza modelos de organização com capacidade de decisão muito rápidos, logo com estruturas orgânicas muito planas, em contraponto com estruturas hierárquicas formais de muitos níveis intermédios. Só assim é possível garantir o fundamental da agilidade, inovação e centralidade das decisões baseadas em dados. Tal significa também promover ambientes de experimentação, com uma disrupção estruturante em relação ao modelo tradicional: o fracasso tem de ser rápido, controlado e ser visto como oportunidade de aprendizagem e não como uma penalização direta.

Acresce ainda, aquele que é talvez o maior desafio na transição para estas culturas digitais: a resistência dos colaboradores à mudança. É comum ouvir, mesmo em 2024, colaboradores e decisores empresariais dizerem que “isso das tecnologias de inteligência artificial, do blockchain ou da realidade virtual é para os meus filhos… já não é para mim”, como que dizendo que nos próximos 10 ou 15 anos estas tecnologias não estarão certamente integradas nas suas atividades. A razão é simples:  uma vez que os métodos tradicionais de gestão obtiveram sucesso profissional nos últimos 20 e 30 anos pelo que se questionam “Porquê mudar?”. Tal significa acomodação, não perceção do que se passa à volta, bloqueando novas tecnologias e metodologias.! O CEO da unidade de telemóveis da NOKIA, em 2013, na conferência de imprensa do fecho/venda da unidade disse: “Fizemos o que sempre foi feito, mas por alguma razão perdemos?!”…, Ou seja, um comboio “passou-lhe por cima” e nem entendeu o que lhe aconteceu.

É por isso que uma cultura organizacional começa nas lideranças! É a liderança que funciona como o catalisador e como o modelo de mudança pelo exemplo, comunicando claramente a visão e os benefícios da transformação digital, com compromisso e motivação pelo processo de mudança.

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Naturalmente, esta mudança de estratégia empresarial, capaz de responder ao desafio da Transformação Digital, implica a requalificação das equipas e a quebra de muitos fenómenos de resistência individual.

De notar que não é apenas uma requalificação, trata-se de entender que estamos perante requalificações contínuas e recorrentes das equipas. As competências necessárias no ambiente digital são hoje bem diferentes das exigidas no passado. Hoje é exigido que todos os colaboradores tenham competências técnicas mínimas transversais em literacia digital global, análise de dados, inteligência artificial e cibersegurança, mas também competências comportamentais e sociais de elevado nível humano, ético e comunicacionais.

Em relação às resistências individuais, importa entender que estas são da própria natureza humana, mas que há limites e formas de estar perante determinadas mudanças, em particular se na organização a comunicação é eficaz, há a promoção do uso de ferramentas colaborativas, é exercida uma cultura de transparência e são aplicados métodos de partilha de informações. Os colaboradores saem e entram das organizações, as organizações têm de continuar…

Obviamente, a era digital e a aceleração que vivemos dos processos e das necessidades de decisão trazem à tona questões de ética e privacidade. A recolha e análise de grandes volumes de dados podem levantar preocupações sobre como é que essas informações são usadas e protegidas. Uma cultura organizacional deve, por isso, ter também políticas claras de privacidade e segurança, alicerçadas em efetivas atitudes éticas no uso de dados, para assegurar um nível de confiança em todo o ecossistema de stakeholders (colaboradores, clientes, parceiros, reguladores, entre outros).

A cultura digital de uma empresa vai muito mais além da mera implementação de novas tecnologias. Requer uma estratégia de transformação cultural profunda, que inclui a adaptação a novas formas de trabalho, ao desenvolvimento contínuo de competências, a processos de comunicação aberta e eficaz, e a compromissos constantes e profundos de ética e privacidade. Estou certo de que quem conseguir alinhar a sua cultura organizacional com as exigências da era digital estará mais bem posicionado para inovar e crescer num mercado cada vez mais competitivo.