Na sequência dos grandes fogos de 2017, o governo criou um programa de transformação da paisagem que pretenderia transformar a paisagem no sentido de substituir povoamentos de pinheiro e eucalipto por carvalhais e outros povoamentos de folhosas autóctones.

O pressuposto desta decisão é o de que essa transformação garantiria que os grandes fogos de 2017 não se voltariam a repetir.

Nada nesse programa tem fundamento técnico, começando por este pressuposto: toda a investigação sobre fogos aponta no sentido de se considerar que, em condições meteorológicas extremas – aquelas em que ocorrem incêndios como os de 2017 –, é praticamente irrelevante a espécie florestal dominante.

Sete anos depois dos grandes fogos de 2017, o longo calvário de estratégias, programas e planos previstos está a chegar às Operações Integradas de Gestão da Paisagem (não, ainda não é a passagem ao terreno, sete anos depois continuamos a produzir papéis sobre amanhãs que um dia cantarão).

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O que era mau à partida, é péssimo à chegada, não sendo de estranhar que os diagnósticos dos problemas, a identificação das causas do padrão de fogo que se pretende contrariar seja muito superficial, para além de frequentemente errado.

Os planos e operações integradas previstas não dão o menor sinal de entender a complexidade dos problemas socioeconómicos destes territórios, tocando ao de leve em questões como ausência de populações residentes, idade dos poucos sobreviventes, escassez de mão de obra, competitividade das fileiras económicas potenciais e, mais grave, sem daí tirar daí alguma conclusão ou consequência para a formulação das propostas, mantendo-as no campo da utopia e do pensamento mágico.

O pecado original de se pretender gerir o fogo através da alteração das espécies florestais dominantes é transversal, em detrimento da gestão da quantidade e estrutura dos combustíveis finos, mas o programa foi evoluindo para propostas de alteração de uso do solo, procurando criar descontinuidades na paisagem.

Infelizmente, essa alteração do programa assenta igualmente em convicções ingénuas sobre a economia da gestão da paisagem, de que se cita um exemplo: “Os produtos como o vinho, o azeite, o mel, o medronho, são produtos que têm sempre aceitação de mercado, tanto a nível nacional como internacional, e que são uma valia para os territórios rurais pois além de já existir uma tradição da sua produção na maior parte dos espaços rurais, permite a criação de valor acrescentado para estas populações”.

Aparentemente, mesmo com áreas de vinha e olival ao abandono nas áreas em causa, demonstrando que produzir vinho e azeite não será sempre um bom negócio, os técnicos que elaboram os planos estão convencidos de que os proprietários e gestores florestais não conhecem os sectores de actividade em que trabalham, sendo apenas por falta de informação que escolhem perder dinheiro em produções que os técnicos acham pouco interessantes.

De resto, os técnicos parecem ignorar as notícias recentes sobre as dificuldades no sector do vinho, com excedentes potenciais enormes, com base em modelos de produção bem mais eficientes que os que se poderiam esperar revitalizar nas áreas das operações integradas de gestão da paisagem.

Por isso entendem que a solução está na “apresentação de um leque de espécies e possibilidades aos proprietários, com exemplos concretos de caso, [que] permite aos proprietários alterar a perspetiva com que encaram a floresta e a importância da sua preservação não só em termos de riqueza ambiental e económica como também pela proteção de pessoas e bens”.

O exercício é surreal e repetido por mais de 70 Operações Integradas de Gestão da Paisagem, umas melhores e outras piores, mas todas igualmente equivocadas sobre questões base de gestão do fogo e sobre a economia da gestão da paisagem.

Para além da baixa qualidade do trabalho verifica-se que as OIGP se estão a transformar numa forma de financiar a instalação de culturas de vinha, olival, pomares de fruta (entre os quais kivis e abacates), em território de minifúndio, às centenas de hectares.

São financiamentos a 100%, embora com um limite médio de 2500 euros por hectare (para culturas com custos de instalação que podem chegar aos 10 a 20 mil euros por hectare), sendo apoios que não estão disponíveis para agricultores em zonas não cobertas por AIGP porque são concedidos a título de pagamento de serviços de ecossistema, e não apoios à produção (a ironia de financiar a plantação de abacates como pagamento de serviços de ecossistema não deixa de ser deliciosa).

Em territórios dominados por usos florestais, há muitas operações em que não se prevê qualquer medida para melhor a gestão e ordenamento dessas áreas, porque espécies de rápido crescimento são excluídos de qualquer apoio previsto na OIGP.

Por motivos meramente ideológicos, metade da AIGP fica entregue a si própria, ou seja, à ausência de ordenamento e gestão efetiva.

O objetivo de reduzir o risco de incêndio ficaria irremediavelmente comprometido desta forma, se todos este exercício surreal algum dia chegasse ao terreno.

Aparentemente, ser viticultor, ou produtor de fruto ou de azeitona ou outra cultura agrícola qualquer não carece de qualquer conhecimento particular, basta reconverter eucaliptais nessas culturas e as receitas vão encher os cofres dos agricultores (ou das entidades gestoras, que na ausência dos proprietários, de acordo com os planos, vão fazer arrendamentos coercivos e explorar directamente essas propriedades).

De resto, a generalidade dos planos não perde tempo a responder a perguntas básicas: quem vai gerir essas propriedades num mundo rural cheio de ausentes? Com base em que economia? Será com associações criadas à pressa, com apoio das autarquias, com o objectivo central de captar as verbas disponíveis e potenciais?

O vazio de grande parte destes planos é o que seria de esperar de processos conduzidos desta maneira, por uma administração pública sonâmbula que trata o dinheiro dos contribuintes como um maná caído do Céu, e por isso se confia na capacidade competitiva do sector agrícola e florestal do território – que está maioritariamente ao abandono, mas isso não interessa nada – com base na qual são definidos objetivos de promoção dos sistemas agrícolas e florestais economicamente competitivos e ambientalmente sustentáveis, o que viabiliza sistemas de ocupação e uso do solo que valorizam os recursos naturais, paisagísticos e patrimoniais das zonas rurais e incentivam a diversificação e reforço do tecido económico e social das zonas rurais, contribuindo para a melhoria da sua qualidade de vida.

É multiplicar pelas setenta Áreas Integradas de Gestão da Paisagem em curso, cada uma com milhões de euros de orçamento no PRR, a gastar até novembro de 2025, com base no pressuposto de que o Fundo Ambiental, nos próximos vinte anos, paga algo perto de  cento e cinquenta euros por hectare de manutenção por ano.

Depois deste pequeno vôo sobre um programa que toda a gente sabe que não vai dar em nada, o que se pode perguntar é por que razão é tão difícil acabar com este absurdo e reencaminhar o dinheiro previsto para o pagamento directo de 100 euros por hectare a quem mantiver a sua área florestal com vegetação de menos de 50 cm de altura.

Assim, sem mais nada nem mais complicações.