No poema “Pedra Filosofal”, publicado em 1956, Rómulo de Carvalho, sob o pseudónimo de António Gedeão, compôs “que o sonho comanda a vida, e que sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança, como bola colorida, entre as mãos de uma criança”. Nesse poema, o também professor de Físico-Química do Liceu Pedro Nunes fala-nos de inúmeras inovações, chegando a antever “o desembarque em foguetão na superfície lunar”, vivido 13 anos depois, em 1969.

Tal como nos demonstra a genialidade da poesia de Gedeão, a Humanidade tem essa capacidade extraordinária de sonhar e criar, avançando aos ombros de inovações anteriores, dando pulos de gigante cada vez maiores e a um ritmo cada vez mais alucinante.

Em 1942, o economista Joseph Schumpeter criou o conceito de destruição criativa, ou seja, o mecanismo de transformação industrial através do qual a inovação provoca incessantemente a substituição de produtos e processos antigos por novos, recompensando as melhorias e punindo as ineficiências.

Em 2001, na sua “teoria das mudanças aceleradas”, Raymond Kurzweil afirmou que a “análise da história da tecnologia demonstra que a mudança tecnológica é exponencial”, acrescentando, “portanto, não teremos a experiência de 100 anos de progresso no século XXI — será mais parecido com vinte mil anos de progresso (na taxa de hoje)”.

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De facto, no início da História da Humanidade, o ritmo de evolução começou por ser muito lento. Nas primeiras centenas de milénios o Homem foi simplesmente um caçador-recolector em viagem por toda a Pré-História.

Foi apenas há cerca de 12 mil anos, aquando da Revolução Neolítica, que o ser humano começou a dominar algumas técnicas agrícolas e a edificar as primeiras civilizações. Foram precisos mais seis mil anos para surgir a escrita, na Suméria, e aparecer a civilização egípcia, famosa pelos seus incríveis avanços nos campos da escrita, da Matemática, da Arquitetura, da Medicina, da agricultura, da Astronomia e da Química.

Mais de três milénios depois, no período da Antiguidade Clássica, germinaram os fenómenos da democracia ateniense e do Império Romano, que deixaram marcas profundas na cultura, na língua, no Direito, na política e na religião do Ocidente.

Mas, apesar de todos os seus desenvolvimentos, a Humanidade não deixou de viver os mil anos da Idade Média na escuridão, dependente do uso da força humana, da tração animal, dos ventos e das quedas de água para produzir os seus alimentos, equipamentos e vestuário.

A partir do século XV o mundo entrou na chamada Idade Moderna, marcada pela primeira globalização, feita por meio das Grandes Navegações e pela invenção da imprensa idealizada por Gutenberg. A história da imprensa demonstra-nos como a inovação se desenrola por saltos, nos quais uma primeira descoberta estimula uma série de outros avanços, normalmente imprevisíveis. Ora vejamos. A prensa topográfica resultou numa enorme procura de óculos, o que levou a um aperfeiçoamento do desenvolvimento das lentes e, consequentemente, à descoberta do microscópio, que, por sua vez, nos permitiu revolucionarmos a ciência. O domínio do vidro também levou à criação do telescópio e das fibras de vidro que atualmente interligam a internet e solidificam barcos e aviões.

No final da Idade Moderna, o mundo era mais global e informado, mas permanecia dependente da água, do vento e da força humana e animal para se mover. Os maiores avanços deram-se a partir do final do século XVIII, com o domínio crescente de novas fontes de energia, como o vapor, o carvão e o petróleo, e de novos materiais, como o ferro e o aço, que permitiram alterar dramaticamente a nossa forma de viver, trabalhar, deslocar e interagir. Passou a ser possível movimentar grandes máquinas industriais, comboios, navios, carros e aviões, e substituir a produção artesanal pela produção por máquinas.

Essas alterações propiciaram um aumento da produção de bens de consumo e despoletaram profundas alterações no tecido socioeconómico. A sociedade dividiu-se de forma mais clara entre a burguesia e o proletariado ou, por outras palavras, o capital e o trabalho, que passaram a coexistir nas novas metrópoles industriais.

Após a II Guerra Mundial, a Humanidade beneficiou do desenvolvimento da indústria eletrónica e de telecomunicações. Mas foi apenas ao longo da década de 90 que se iniciou a massificação da internet e dos telemóveis, responsáveis por colocar uma parte significativa da Humanidade a trabalhar e a comunicar em frente de ecrãs. No final de março de 2021 a internet contava já com 5,2 mil milhões de utilizadores, ou seja, 66% da população terrestre. Este número evoluiu de apenas 44 milhões, em 1995, para 413 milhões, em 2000, tendo ultrapassado os mil milhões apenas em 2005.

Não tarda, com o desenvolvimento dos satélites, todo o mundo terá acesso praticamente gratuito a uma internet 5G ultrassónica, podendo aceder a informação, conhecimento, produtos e serviços de forma simplificada. Antes da década de 70, um GB de memória custaria mais de mil milhões de dólares. Na década de 90, ultrapassava os mil dólares. Hoje, custa menos de 10 dólares e futuramente custará apenas 1 dólar.

Nas três décadas desde a criação da World Wide Web, apareceram a Wikipédia, a WordPress, a Amazon, o Google, o Alibaba, o Facebook, o Instagram, o Twitter, o iPhone, a Tesla, a Uber, o Spotify, o Skype, o Zoom, o Youtube, o WhatsApp, o Waze, a Netflix, o LinkedIn, o Revolut e as criptomoedas.

Assistimos também a avanços assinaláveis nas energias renováveis, cada vez mais disseminadas e com menores custos de implementação. O desenvolvimento das chamadas tecnologias limpas tornou-se cada vez mais critico, porque se a humanidade experimentou um desenvolvimento colossal dos indicadores de qualidade de vida desde a Revolução Industrial, isso foi conseguido à custa de um verdadeiro desastre ambiental e ecológico.

Tal como no passado, novos materiais, conjugados com formas mais eficientes de produzir e reter energia, propulsionam novas tecnologias. Veja-se o exemplo da Tesla, fundada em 2003, que dentro de muito pouco tempo deverá conseguir fabricar baterias com autonomias superiores a um milhão de quilómetros.

Tal como nas fases anteriores da Revolução Industrial, esta nova fase vem alterar profundamente a nossa forma de fazer negócios, de aceder a informação e de socializar. O maravilhoso mundo novo é global, digital, interconectado, sem fronteiras para capitais e cada vez mais democrático no acesso a tecnologia e informação. Mais uma vez, o espaço diminui, o tempo acelera e a Humanidade entra numa nova era.

Poderá já não faltar muito tempo para vivermos num mundo em que a maioria dos elos das cadeias logísticas serão autónomos e interligados, compostos por robots e veículos que transportarão pessoas e mercadorias sem precisarem de ser guiados por um ser humano, alimentados por baterias com autonomias de milhões de quilómetros, carregadas em poucos minutos por fontes de energia renovável.

Também na produção industrial e agrícola a automação é crescente, podendo permitir, num curto espaço de tempo, o embaratecimento de um conjunto alargado de bens. Os novos materiais, a impressão 3D e a robotização podem mesmo vir a permitir-nos ter minifábricas dentro de casa.

Paralelamente, assistimos a uma revolução no campo da saúde, onde a telemedicina, juntamente com novos equipamentos de monitorização e avanços brutais na biotecnologia e na indústria farmacêutica, promete alterar paradigmas e continuar a aumentar a esperança média e a qualidade de vida das futuras gerações.

Na educação surgem novos formatos, alguns plenamente digitais, tornando as melhores fontes de conhecimento mais globais e acessíveis.

O setor financeiro também se encontra em plena transformação. Com a descentralização e desintermediação podemos fazer depósitos, pedir empréstimos, abrir contas, transferir valor e investir em diversos tipos de ativos sem passar pela banca tradicional, sem falar com uma única pessoa e, muitas vezes, sem pagar impostos. Para além disso, nos nossos dias, a maioria das decisões de investimento de Wall Street são realizadas por máquinas e os desenvolvimentos da inteligência artificial, da computação quântica e da big data, prometem alargar esse tipo de decisões a muitos outros setores.

Coincidência ou não, o valor de mercado das criptomoedas é atualmente idêntico ao PIB da Itália, quando em abril de 2020 era de apenas 200 mil milhões de dólares, aproximadamente o valor do PIB de Portugal. As chamadas FAAAM (Facebook, Apple, Amazom, Alphabet e Microsoft), têm, em conjunto, vendas anuais superiores ao PIB da Holanda e uma valorização superior ao PIB da Alemanha, França e Holanda somados. Entre o início de 2020 e agosto de 2021 a cotação somada destas empresas passou de $5T para quase $9T, um aumento superior ao PIB da Alemanha.

Ao mesmo tempo, no primeiro semestre de 2021, o investimento de capital de risco dos EUA bateu recordes. Em apenas seis meses os fundos de capital de risco norte-americanos investiram $150B em startups, o equivalente a 90% do montante global investido durante todo o ano de 2020. Se tudo se mantiver constante, em apenas um ano, os EUA vão colocar quase 1,5 vezes o PIB Português nas suas startups.

Assistimos, assim, a uma deslocação massiva de fluxos financeiros para a indústria tecnológica, tanto para as grandes empresas como para as novas, algo nunca antes visto, com consequências imprevisíveis. Se considerarmos os resultados do estudo Innovative Growth Accounting, que apontam as empresas com menos de cinco anos como responsáveis por 50% do crescimento económico dos EUA, compreendemos quão impactante poderá vir a ser o investimento realizado nas startups. Se a isto juntarmos o poderio astronómico das gigantes tecnológicas, já nem o céu será o limite. A ciência é dispendiosa, mas nunca existiu tanto dinheiro apostado nela.

Através da blockchain e dos NFTs (non fungible tokens), o direito e a proteção da propriedade, que constituem a base elementar de qualquer sistema económico, foram recentemente adicionados a toda a nação digital. Para quem não sabe, um NFT é um ativo criptográfico, representando um item digital intangível, como uma imagem, vídeo ou uma parte de um jogo. A propriedade dos NFTs fica registada na blockchain, permitindo a sua negociação. Atualmente, o valor de mercado dos NFTs já supera os 30 mil milhões de dólares, onde se incluem crypto punks (arte digital) transacionados por mais de cinco milhões de dólares.

Através destes mecanismos é hoje possível comercializar arte, música, livros, design, filmes, domínios, e milhares de criações, numa economia digital e virtual sem fim. Uma nova economia que não distingue as pessoas pela sua idade, religião, género, nacionalidade, ou estatuto económico ou social. Qualquer um poderá atingir o sucesso, bastando-se do seu mérito e da sua capacidade técnica e intelectual para o conseguir. Veja-se o que está a acontecer no jogo Axie Infinity, em que mais de um milhão de jogadores, grande parte de países subdesenvolvidos, geraram receitas de quase 200 milhões de dólares em apenas um mês.

Neste ano, Mark Zuckerberg tem falado bastante do metaverse. O fundador do Facebook fala-nos de um universo virtual, uma nova forma de internet, gerida de forma descentralizada, disponível 24 horas por dia, que integra as diversas aplicações já existentes, onde todos os utilizadores poderão coabitar, socializar, criar, negociar e desenvolver as suas personalidades virtuais. Um mundo onde milhares de estranhos podem cooperar e trocar.

Nos primeiros milhares de anos o homo sapiens viveu como recolector. Nos 10 mil anos seguintes viveu como agricultor. Nos 200 depois da Revolução Industrial viveu como operário. Com todas estas alterações não sabemos bem como irá viver nos próximos 50 anos.

De certa forma, os seres humanos estão cada vez menos dependentes de instituições, de governos centrais e de bancos. Com estas inovações, aliadas ao teletrabalho, estamos na eminência de uma revolução do mercado laboral e por sua vez dos modelos socioeconómicos, com a transferência vertiginosa de necessidades de mão-de-obra de uns setores de atividade para outros.

Posto isto, para os governos, será cada vez mais difícil acompanhar o ritmo da inovação. O risco de se desenharem planos de grandes infraestruturas a 10 ou 20 anos será cada vez maior. Assim como será cada vez mais complexo adaptar a educação e a legislação às constantes mudanças geradas pelas novas tecnologias. Por outro lado, certos desafios só poderão ser plenamente ultrapassados com respostas globais. Temas que exigirão forte cooperação internacional num mundo com uma tensão crescente entre os EUA e a China.

Se olharmos para os rankings dos países mais inovadores e dos países economicamente mais livres, verificamos uma forte coincidência entre ambos. Verificamos também que os países mais inovadores são os que têm os melhores sistemas de educação, um enquadramento legal e fiscal amigo do empreendedorismo, uma aposta clara na I&D, boas infraestruturas de energia e telecomunicações, serviços públicos digitais, políticas de atração de talento e de investimento estrangeiro, um sistema financeiro robusto e instituições democráticas sólidas e transparentes.

Neste novo mundo, as sociedades mais educadas, conectadas, cooperantes, flexíveis e adaptáveis às mudanças, de onde possam brotar e evoluir os mais diversos sonhos, serão as vencedoras. Sobretudo se conciliarem a inovação tecnológica com a melhoria da qualidade de vida das suas populações, preservando a democracia, a concorrência, a privacidade e a ética, e colocarem a tecnologia ao serviço da resolução dos desafios climatéricos, demográficos, económicos e sociais que o nosso mundo atravessa.