Fiz de propósito para só agora escrever este artigo. Custou-me guardar durante tanto tempo aquilo que tinha para dizer, mas creio que o leitor irá compreender a minha demora. Consegui esperar sensivelmente duas semanas desde o encerramento dos jogos olímpicos. Consegui esperar sensivelmente duas semanas desde que os noticiários abriram com a notícia da medalha de ouro portuguesa. Consegui esperar duas semanas desde que todos nos queixávamos da falta de investimento estrutural no desporto no nosso país. E adivinhe-se: já ninguém se lembra. Eu juro que me esforcei, mas não voltei a encontrar nenhum artigo, nenhuma notícia, nenhuma conversa de café.

Já foi pior. A semana passada a situação era quase a mesma. Só que ainda faltavam 3 anos, 11 meses e 3 semanas para voltarmos a falar de desporto. Agora só faltam 3 anos, 11 meses e 2 semanas. Está mais perto, mas continua longe. Focamo-nos mais nas medalhas do que no trabalho. Mais no resultado do que no processo, esquecendo que querer o primeiro e ignorar o segundo é impossível.

Custa-me que no meu país as capas dos jornais sejam sobre o jogador que não chega ao Sporting. O futebol que o Benfica não joga. O dinheiro que o Porto não tinha. E pronto, nada mais. Repare o leitor que eu sou suspeito ao dizer isto – o meu desporto favorito é futebol, fui federado durante anos e continuo a gostar de ir jogar com amigos. Só que continuar a olhar para desporto e futebol como sinónimos não é só miopia, é desleixo. Vamos lá, então, duas semanas depois da euforia, tentar analisar o desporto em Portugal. O desporto que é para novos e para idosos. Para federados e para amadores. Para todos os portugueses. Porque para ser desportista não se tem de ir aos Jogos Olímpicos.

Convém, em primeiro lugar, mencionar que uma população desportista é tendencialmente mais saudável. E que, por sua vez, uma população mais saudável sobrecarrega menos o nosso sistema de saúde (note-se, num país com uma população cada vez mais envelhecida). O sedentarismo é um dos principais fatores de risco de doenças não transmissíveis, como as doenças cardiovasculares. Não o quero assustar, mas a cada 15 minutos morre uma pessoa por doença cardiovascular. Isto é, simplificadamente, a cada 15 minutos morre uma pessoa por sedentarismo. O que facilmente seria evitado com uma melhor alimentação e mais prática de exercício físico durante a vida. Só que há um senão. Quer dizer, dois. Se por um lado as subscrições de atividades físicas (não só ginásios, mas aulas de desportos individuais e coletivas) têm mensalidades difíceis de suportar para a nossa população, a alimentação saudável também não favorece os bolsos dos portugueses. É, economicamente falando, preferível almoçar no McDonalds do que num qualquer restaurante com refeições saudáveis e nutritivas. Ora, para resolver estes incómodos camuflados, acredito em três soluções:

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1.Isenção de IVA para atividades físicas em ginásios e centros desportivos. Quer, por um lado, para permitir baixar os preços de adesão quer, por outro, para permitir maiores lucros e consequentes maiores investimentos nestes projetos;
2. Isenção de IVA nos legumes e frutas. (Sei que estes produtos se encontram atualmente no cabaz do IVA Zero, mas convém não esquecer que o IVA Zero se trata de uma medida a curto-médio prazo de combate à inflação. Não me parece que tenha vindo para ficar. Assim sendo, seria benéfico que os legumes e as frutas continuassem no futuro a beneficiar deste desconto)
3.  Apostar no desporto escolar, para que os hábitos saudáveis sejam iniciados desde cedo. É de pequenino que se torce o pepino.

O leitor certamente se apercebeu que, apesar de tudo o que acima mencionei estar relacionado com desporto, não tem em grande medida relação com os jogos olímpicos com que iniciei o artigo. E é verdade. Aquilo que acima propus pretende incentivar e facilitar o português comum a manter uma alimentação mais saudável e nutritiva (tornando-a mais barata do que Fast Food), reduzir os custos mensais em ginásios e criar hábitos nos nossos jovens. Tal como também disse no início, ser desportista é para todos. Mas, de facto, falta ainda falar de duas coisas. O desporto ao ar livre e o desporto federado. Como decidi começar o artigo a falar de desporto federado, vou terminá-lo do mesmo modo e, por isso, vamos por agora falar de desporto ao ar livre, se é que há muito que se lhe possa dizer.

O desporto ao ar livre será, segundo muitos pontos de vista, mais benéfico do que o desporto em ginásios. Por exemplo, permite poupar recursos financeiros às famílias e recursos ambientais ao planeta, na medida em que não há gastos de luz nem de ar condicionado. Mas, sejamos francos, não há nada a inventar para incentivar esta modalidade. Trata-se de construir mais ciclovias (sempre que possível, mas com bom senso), e facilitar o aluguer de bicicletas (ponha-se os olhos em Lisboa). Aqui não há que inventar a roda, é só pô-la a mexer.

Para cumprir a minha promessa vou, por último, falar do desporto federado. E não se espante se ouvir falar mais de problemas do que de soluções. Primeiro problema evidente para todos os jovens federados: dificuldades de horário. Só com grande sacrifício e espírito de vontade é que um jovem da minha idade (17), que sai de casa às 7 da manhã e chega às 18, cansado e com trabalhos, consegue praticar desporto ao mais alto nível. Onde é que arranja espaço para o desporto? Às 5 da manhã antes da escola? Ou às 21 da noite depois do jantar e dos trabalhos? E onde é que fica o sono? Pois é, muitas vezes não fica. Ou melhor, fica por dormir. Quanto a isto, temos de ser bastante claros. Os horários escolares não são compatíveis para atletas federados que têm de competir todos os dias, durante várias horas. Só com sacrifício e sem sono. Aliás, com muito sono. Mas como já tinha dito antes, vou levantar mais problemas do que soluções. No caso, problemas sobre as soluções. Tal como ao leitor, também a mim me ocorreu reduzir o horário escolar. Mas, depois, quem é que garante que os jovens vão todos fazer desporto? Quem é que garante que os jovens não vão para casa jogar videojogos o resto da tarde? Quem é que garante que não vão para trás do pavilhão fumar? Deixo o bom-senso do leitor decidir que partido quer tomar. Eu ainda não fui capaz de tomar nenhum.

No entanto, para simplificarmos, vamos imaginar que, de uma maneira que eu desconheço, até resolvíamos a questão do horário. Continuamos com um outro problema. A falta de investimento. Os clubes continuam a ter dificuldades em garantir condições agradáveis aos seus atletas. Recordo-me de que, quando jogava, e ia jogar fora de casa, cheguei a entrar em balneários com condições mínimas, tive de me equipar em sítios que não balneários e que eram vários os balneários sem casas de banho. E olhe que não é tudo circunscrito aos balneários. Relvados impróprios. Pavilhões desgastados. Não me alongo mais. Deixo apenas a dica de que mais investimento no desporto, com enfâse nos clubes regionais e respetivas infraestruturas, não era de todo mal pensado.

Chegados aqui, e se o leitor não ficou a meio, espero tê-lo convencido de que falar de desporto durante uma semana a cada quatro anos não é suficiente. Pela sua saúde. Pela sua família. Pela sua comunidade. Fale, escreva, reclame. Faça a sua parte. Hoje, não daqui a quatro anos.