Segundo o Público, Pais e directores pedem ao Presidente que vete lei da autodeterminação de género nas escolas. Não me cheira que tenham grande sorte. Pedir ao Presidente que interceda a favor da saúde de certas crianças, depois do pandemónio com a história das gémeas brasileiras? Só se Marcelo Rebelo de Sousa estivesse mesmo maluco é que se metia nisso.

Apesar de a lei suscitar questões evidentes. Por exemplo, a dada altura refere-se a “sexo atribuído à nascença”. Ora, como em Portugal a maioria dos nascimentos ocorre em hospitais públicos, será que podemos confiar no SNS, no estado caótico em que está, para atribuir alguma coisa a um utente? Se não conseguem atribuir consultas a velhos, duvido que consigam atribuir sexos a bebés. Já quase não há médicos para porem as crianças cá fora, quanto mais para atribuir coisas. Se calhar resolvia-se isso primeiro. Mas a pressa da esquerda em legislar é muita. O que é curioso: são pessoas que acreditam piamente num rapaz de 11 anos que diz que é uma rapariga, mas não acreditam em adultos do PSD que dizem que não são fascistas.

Não contem com o Presidente para invalidar esta lei. Contem com a própria lei para se boicotar a si própria. É que, a partir do momento em que a lei equipara as terapias de conversão de homossexuais às terapias de conversão de transgénero, entra em curto-circuito jurídico. Se um psicólogo recebe no consultório uma rapariga arrapazada cheia de dúvidas sobre a sua identidade, e a única terapia disponível é afirmá-la como menino trans, poderá estar a converter uma lésbica. E agora?

Na realidade, as terapias de conversão de homossexualidade, que são tratamentos que visam reprimir a atração sexual, não têm nada a ver com as falaciosamente chamadas terapias de conversão de transexuais, que são todos os tratamentos que visam ajudar quem sofre de disforia de género e não se limitam a concordar quando um adolescente diz que se sente de um sexo diferente. Uma é terapia de conversão, a outra é terapia de conversação. Não se deviam amalgamar.

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É difícil prever os efeitos que uma proibição destas terá no futuro. É mais fácil imaginar o que teria acontecido se houvesse uma proibição destas no passado. Se isso tivesse acontecido, neste momento não estava com uma moinha na cabeça por causa do vinho bebido nos últimos dois dias, não estava 4 kg mais gordo em relação à semana passada, não tinha a casa de pantanas cheia de brinquedos novos, embalagens de plástico e papel de embrulho. Porque, se na Antiguidade as terapias de conversão fossem proibidas, se fosse obrigatório afirmar a identidade autodefinida por alguém, é óbvio que não existia o Natal.

Vamos supor que há dois mil anos, quando o nazareno Jesus se apresentou como filho de Deus, toda a gente concordava. Os judeus do Sinédrio não o acusavam de blasfémia, Pilatos não o condenava, não havia crucificação, não desaparecia o seu corpo do túmulo. Saulo de Tarso não perseguia os maluquinhos que afirmavam que Jesus tinha ressuscitado, não tinha um surto psicótico na estrada de Damasco, não mudava o nome para Paulo e não inventava uma religião nova. Logo, não havia Natal, nem esta aborrecida sensação de enfartamento com que estou desde sexta-feira.

Mas, em vez de afirmarem Jesus e a sua divindade autoatribuída, contrariaram-no. A ele e aos seguidores. O resto é história. Aliás, os restos são história. Pelo menos até depois de amanhã, que é quando prevejo acabar com os tupperwares de bacalhau, peru e bolo-rei que me atafulham o frigorífico.

Portanto, já sabe: se odeia o Natal, proíba uma criança com disforia de género de ter acesso ao tratamento psicológico de que necessita.