O Papa Francisco veio a Portugal. Faz um ano. A Jornada Mundial da Juventude não era uma ocorrência qualquer. Seria muito difícil escapar-lhe. Sim, os jornais, as televisões e a internet não mostravam ou falavam de outra coisa. Mas não era só isso. É que nem a (pós-)modernidade secularizada lhe escapou. Estávamos perante uma forma extraordinária — no sentido de não habitual e de grandiosa — de o profano dar espaço ao sagrado, conviver com ele e, manifestamente, aclamá-lo. A correria quotidiana parou um pouco, e a cultura católica, entranhada na sociedade portuguesa, exteriorizou-se como poucas vezes se tem visto. Eis uma celebração religiosa e, por isso, claro, social.

Este evento foi socialmente paradigmático nas várias escalas possíveis: i) mega, já que conectou 1,5 milhões de pessoas de todo o mundo, inserindo-se também numa sequência de edições em diferentes países; ii) macro, com o envolvimento de alguns dos eixos que configuram a montante dimensões da realidade nacional (Governo, instituição eclesiástica e mass media); iii) meso, visto que teve, em grande medida, trabalho autárquico (de Lisboa e outros municípios); iv) micro, sendo constituído por experiências, interações, perceções e sentimentos.

Assisti à JMJ através da comunicação social. Na altura, quis escrever qualquer coisa sobre o que estava a acontecer. Um evento tão importante merecia ser objeto de registo, de reconhecimento ou de reflexão. No entanto, não me soube desenvencilhar. Não só não queria repetir o que se lia e ouvia, como também também o meu olhar analítico era parco para tamanho cenário ou recusava-se a ser tão imediato. Talvez não tivesse sido despiciendo interpretar o acontecimento à luz da psicologia das massas. Ou então mobilizar o conceito de “efervescência coletiva”, de Émile Durkheim. O mais natural seria recorrer aos grandes autores da sociologia da religião. E, como é óbvio, beber das melhores teses da teologia.

Não o fiz na altura nem o faço agora. Fica o enunciado de intenções de quem sabe que não seria verosímil que qualquer análise fizesse jus a toda a situação que se viveu, ao que permitiu que ela se concretizasse e ao que dela resultou, desde logo na profundidade humana. Na verdade, o estudo da realidade social nunca se esgota, é inevitavelmente limitado em qualquer assunto. O que sucede é que desta vez, para este caso específico, a prudência impele a não arriscar desenvolver alguma coisa, já a precaver a sujeição da JMJ a um suposto ousado ensaio explicativo, reducionista qualquer um que fosse. Ora, com franqueza, a admiração é tudo o que nos basta. Por vezes, em situações especiais, o melhor que o exercício reflexivo tem a fazer é ficar no seu cantinho e deixar o mundo estar, sob pena de lhe tirar o maravilhamento que vai tendo.

Eventualmente, poder-se-ia sugerir que autoetnografias de quem lá esteve constituiriam um material rico de compreensão intensiva. De qualquer modo, mesmo que as houvesse, embora inseridas numa extensividade social, assentariam sempre em vivências pessoais, e eu por acaso não sou cusco.

Viva a JMJ!

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