Portugal acaba de perder aquele que considero ser a minha maior referência política do pós 25 de Abril de 1974. Pelas ideias, pela ação política, pelo exemplo, pela pessoa que foi. Por pouco, não nos cruzámos em 1975. A sua sabedoria e visão estratégica fez com que percebesse cedo que o Movimento de Esquerda Socialista (MES) não tinha a visão certa da história. Saiu do MES ainda antes de eu, jovem estudante do liceu, ter entrado. As décadas que se seguiram foram de dedicação aos lisboetas e ao país, através do Partido Socialista. Só na fase pós presidencial, a partir de 2013, tive a oportunidade de o conhecer e desenvolver uma relação de grande estima pessoal. Na Casa do Regalo, a sua casa pós Belém, várias vezes conversámos, geralmente antes das reuniões do Conselho de Estado. Falávamos de economia, de finanças públicas, de política. Para além da situação política nacional, do funcionamento dos partidos políticos, do PS, claro, e do parlamento. Preocupava-se com a minha adaptação ao parlamento e ao funcionamento partidário, de que conhecia muito bem as fragilidades. Interessado, sempre atento, com sentido de humor e uma delicadeza e fineza no trato inexcedível. Humilde, como só as grandes pessoas sabem ser.

Após a presidência e tendo sido nomeado Alto Representante das Nações para a aliança das civilizações com o objetivo de fomentar parcerias que promovam a compreensão e o dialógo entre sociedades culturalmente distintas, Sampaio deu o exemplo liderando a criação da Plataforma Global de Apoio aos Estudantes Sírios (PGAES) com o apoio da sua dedicada colaboradora Helena Barroco. Na guerra da Síria, o problema dos refugiados atingiu todos, mas também aqueles que ficam privados de continuar os seus estudos superiores. Esta plataforma permitiu abrir a esperança e uma nova vida a dezenas de estudantes universitários sírios.

Assembleia da República: Jorge Sampaio com Samer Hamati (centro), Helena Barroco e Luis Almeida (à esq.)

Nesse sentido tive a oportunidade de realizar uma singela homenagem na Assembleia da República através da proposta de um voto, em 2019, que simultaneamente congratulava os primeiros doutorados sírios em universidades portuguesas e saudava a Plataforma. Jorge Sampaio esteve presente, bem como Samer, um dos alunos doutorados que há dias me enviou esta mensagem:

“The platform has changed the lives of many Syrians, releasing them from the shackles of war and switching their paths to better lives where they can build their future and strengthen their capacities, so they become qualified to be engaged in the recovery and reconstruction processes, once peace comes. Thus, the platform is, indeed, an opportunity not just for Syrian students but also for their homeland.”

Estou certo que, tivesse energia, imbuído do seu forte espírito humanista e solidário, Sampaio teria agora acompanhado o trabalho da plataforma junto dos refugiados afegãos em particular das estudantes e mulheres afegãs.  A aprovação unânime do voto de saudação, foi uma singela, mas verdadeira homenagem que todos os deputados na casa da democracia prestaram não apenas ao ex-Presidente da República, mas a este exemplar cidadão toda a vida dedicado à causa pública que vai deixar muitas saudades em muitos portugueses.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR