O Zé Pinho é um mar. O mar acolhe. Vai e vem. Refresca e transborda energia. Está lá, sempre.

Os espaços que foi construindo, ao longo da vida, são espaços quentes, vivos, em que sempre me senti bem. Seja na Ler Devagar do Bairro Alto, na Lx Factory, ou em Óbidos. Novos espaços com novas vidas numa maneira de estar diferente neste mundo que necessita urgentemente de ser repensado e revivido.

Há dias na Câmara Municipal de Lisboa, referia-se às cerca de duas centenas de acionistas sem dividendos da Ler Devagar. Até nisto o Zé foi um pioneiro. O futuro só terá, porventura, futuro se nos tornarmos progressivamente acionistas que não pretendem dividendos deste nosso pequeno planeta Terra.

A principal qualidade do Zé é a sua capacidade de congregar pessoas, aliando a sua inteligência o seu dinamismo e um sentido de humor fino e contagiante. E assim mobilizou vontades e ergueu montanhas.

Foi já no início da noite numa pequena mesa na Lx Factory, à volta de duas cervejas, que me disse: olha, estive no País de Gales numa pequena aldeia literária e gostava de fazer uma coisas dessas em Portugal, mais concretamente em Óbidos. Disse-lhe que achava que financeiramente isso seria um desastre (quem é que vai comprar livros a Óbidos? pensei), mas que ele estava na idade de fazer umas loucuras na vida e por isso era de arriscar e ir para a frente. Confidenciou-me mais tarde que outros amigos lhe teriam dito algo de semelhante. E Óbidos renasceu como vila literária, com o Folio.

O Zé é um fazedor e um facilitador. Foi na Ler Devagar da Lx Factory que se realizaram muitas tertúlias sobre problemas da sociedade portuguesa, da educação à habitação, passando pela reforma do sistema eleitoral e pelas cidades e muitos outros temas. Foi lá que foi feita a inicial apresentação pública da AMPLOS (Associação de Mães e Pais, pela Liberdade de Orientação Sexual e Identidade de Género). Iniciativas cívicas, concertos, exposições. A Ler Devagar na LX Factory tornou-se uma incubadora de ideias, de projetos e de vida. Um espaço cultural de e com afetos.

O Zé não foi. O Zé é isto tudo e muito mais. Partiu cedo demais, mas deixou muitas sementes que estão a germinar e continuarão a crescer. Adeus, meu amigo. Já nos fazes muito falta. Até sempre.

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