Como muito bem assinalou um cientista holandês desconhecido da maioria dos humanos, Edsger Dijkstra, “a simplicidade é uma grande virtude, mas requer muito trabalho para alcançá-la e educação para apreciá-la. E para piorar a situação: a complexidade vende melhor”. Apesar dos benefícios da simplicidade, ainda tendemos a complicar demasiado as nossas decisões, preferindo as soluções complexas às mais simples. Há várias razões para que isso aconteça. Desde logo, o uso de jargões complexos e ideias elaboradas, ainda que atrasem decisões e criem opacidade sobre as conclusões, criam uma áurea de autoridade e experiência em quem as promove. A complexidade é também uma boa forma de fugir ao essencial, sobretudo quando se quer criar um manto de opacidade sobre a raiz fundamental das coisas. Por outro lado, quanto mais especialistas nos tornamos em qualquer assunto, mais complexidade preferimos, pelo que é difícil não nos deixarmos seduzir pela atração do que é mais elaborado. Associamos complexidade com experiência, inovação e autoridade, pelo que tendemos a valorizar mais os que promovem discursos recheados de declarações complicadas, em detrimento das mensagens simples e diretas.
No mais recente conflito que opõe Rússia e Ucrânia, não têm faltado os que procuram anular a simplicidade mais valiosa com as complexidades próprias e multifacetadas de relações e dinâmicas históricas, as quais em qualquer caso não nos deviam impedir de ver o essencial. Os palcos mediáticos estão dominados por “especialistas” que nos recordam, entre outras verdades (e a este título vale a pena ler as “frases de guerra” recolhidas com sapiência pelo António Araújo), que a doutrina militar russa dificilmente deixará de ativar armamento nuclear se a soberania da sua nação for posta em causa; que o território da Ucrânia faz parte das ambições imperiais russas desde longa data; que são várias as regiões da Ucrânia onde vivem russófilos ou comunidades próximas da Rússia nem sempre bem tratadas por Kiev; que os níveis e governação da Ucrânia são frágeis e o nacionalismo que os inspira nem sempre será compatível com os ideais europeus; que durante as últimas décadas os países europeus falharam na sua relação com a Rússia, sobretudo em matéria de dependência energética e de acolhimento de grandes fortunas construídas com baixa transparência. Todos estes aspetos são importantes e, apesar de introduzirem alguma complexidade à análise do conflito, devem ser tidos em linha de conta. A complexidade nem sempre é só fumo e jogos de espelhos, pode ser relevante, mas apenas se não nos deixarmos capturar pela inutilidade, e não servir simplesmente para ocultar ideias fundamentais.
As guerras e os grandes conflitos podem emergir da complexidade, mas só na simplicidade encontrarão as suas soluções. Nesta fase do conflito, não podemos ignorar que a Rússia invadiu a Ucrânia ao arrepio do direito internacional, e não há doutrina militar ou aspirações históricas que justifiquem semelhante ato. E se há populações russas a viver na Ucrânia há várias décadas, em zonas onde Kiev nem sempre cumpriu com o que lhes era exigido em termos de uma governação saudável, nada disso justifica ou explica a violência dos ataques ou o grau de destruição que está a ser praticado. E se os apelos de Zelensky à procura de apoio internacional podem conduzir a uma escalada do conflito, não é argumento defender que um país atacado deveria capitular para salvaguardar vidas dos seus conterrâneos, entregando-se às mãos dos invasores. Parafraseando “Kelly” Johnson, “keep it simple, stupids”, não é hora de trazer complexidades desnecessárias que nos afastem da análise essencial da realidade.
Eu próprio, por hoje, irei manter esta crónica simples, e sem fugir ao essencial, curta e direta, recordando que não é tempo para nos perdermos em análises complexas que nos paralisem. Por isso concluo fazendo minhas as sábias palavras de Samuel Beckett, dramaturgo irlandês e um dos grandes críticos da complexidade paralisante e balofa que nos impede de agir. Como aprendemos em À espera de Godot, “nada acontece, duas vezes (…) Não percamos tempo com discursos vãos. Vamos fazer algo agora que temos uma oportunidade! Nem todos os dias há alguém que precisa de nós. Outros fariam tão bem, ou melhor. A chamada que acabamos de ouvir dirige-se a toda a humanidade. Mas neste lugar, neste momento, a humanidade somos nós, gostemos ou não. Vamos aproveitar antes que seja tarde demais. Vamos representar com dignidade por uma vez o tipo em que o infortúnio nos mergulhou (…)”.
Esperemos que, ao contrário da peça teatral, as proclamações deem lugar a ações, e que por uma vez, Godot venha ao palco dar sequência às suas próprias deixas. A bem da Humanidade e daquilo que lhe é mais essencial: a defesa da vida e do direito que cada um de nós tem a uma existência pacífica.