Os dirigentes russos quiseram incluir o desporto como arma na actual guerra fria, não olhando a meios para que os seus atletas sejam os “melhores do mundo”. Foram apanhados com “a mão na massa” numa grave crise de doping, mas continuam a fazer-se passar por “santos” e “moralistas”.

O escândalo em torno do emprego do doping no desporto russo veio mostrar que os dirigentes russos se consideram no direito de mandar ou comprar tudo e todos, mas esbarraram numa organização internacional que não se vendeu.

A WADA (Agência Mundial Antidoping) baniu a Rússia de grandes provas desportivas internacionais durante quatro anos, incluindo os Jogos Olímpicos de 2020 e o Campeonato do Mundo de 2022, mas fê-lo depois de os líderes russos terem gozado, caluniado e enganado os dirigentes dessa organização que luta pela saúde dos desportistas, incluindo os russos.
Além disso, importa sublinhar que a decisão da WADA protege os atletas russos limpos, embora eles não possam participar em competições internacionais sob a bandeira do seu país.
Antes de tomarem essa decisão, pediram à Rússia acesso à base de dados sobre as análises clínicas dos desportistas russos, o que lhes foi recusado alegadamente porque os aparelhos utilizados pelos peritos da WADA não estavam certificados no país. À segunda, entregaram a base de dados, mas falsificada. O que estavam à espera em Moscovo? Que a WADA tivesse medo das sanções russas? Que se podia comprar os dirigentes dessa agência internacional? Que a Rússia se pode comportar no campo do desporto como actua no campo internacional?

Desta vez, enganaram-se, mas o mais interessante (não digo que tenha sido surpreendente para aqueles que seguem a política russa) foi a reacção dos políticos e de alguns altos funcionários desportivos russos: no lugar de tomarem medidas para pôr ordem na luta contra o doping, acusam a WADA de participar numa conspiração contra a Rússia!

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O deputado Leonid Slutski, acusado por duas jornalistas russas de assédio sexual, considerou a decisão aprovada por unanimidade como “provocatória, politizada, forçada”. Vladimir Konstantinov, presidente do Parlamento da Crimeia, região da Ucrânia ocupada pela Rússia, foi mais longe, acusando a WADA de querer destruir o desporto russo.

Isto são apenas duas vozes do inteiro coro “patrioteiro” que visa envenenar a opinião pública, campanha já iniciada também na imprensa escrita, televisão e rádio.

Claro que, no meio desta campanha histérica contra a “coitadinha da Rússia” que todos sonham em destruir, há vozes sensatas. Iúri Ganus, director-geral da RUSADA, Agência Antidoping da Rússia, não só veio reconhecer a existência de graves problemas no desporto russo, como apontou também a forma como os resolver: “É importante mudar as abordagens na Rússia. O problema do desporto russo consiste em que são empregues abordagens inaceitáveis, que, no quinto ano da crise, afogam-nos ainda mais nessa crise. É preciso mudar as abordagens e as pessoas que recorrem a essas abordagens. O desporto russo necessita de novos líderes que gozem da confiança dos atletas. Cinco anos de restrições já passaram e, agora, os desportistas compreendem que essas restrições irão vigorar durante mais quatro anos”.

Por isso, Iúri Ganus considera que o Tribunal Arbitral Desportivo não deverá anular a decisão da WADA. Aliás, esse órgão judicial pode ainda agravar a pena.

Por muito que o Kremlin nos tente fazer crer que é um exemplo de moral e honestidade no campo internacional, este e outros numerosos casos tornam cada vez mais evidente a hipocrisia da política de Vladimir Putin. São um sinal do perigo que constitui esse regime para o povo russo e o mundo.

Pelo menos no caso do campo do doping, pode-se afirmar que não é o chamado Ocidente que tenta isolar a Rússia, mas ela isola-se com uma política que não olha a meios para atingir os fins.