1 Parece que me enganei. Errei por escrito e errei no écran levando com isso alguns a pensarem – como eu – que nunca o PCP avançaria resoluto para um não ao OE; que o BE ficaria de fora para alívio do próprio António que não o estima por aí além; que o governo continuaria a sua falsamente bem sucedida vida, mesmo que cada vez mais à custa do empobrecimento do país e basta pensar no que entretanto já cedera à esquerda radical em sete anos. O carrossel das cedências como instrumento de manutenção do poder, foi aliás este ano oficializada pelo próprio chefe do governo com a confissão de ser este o orçamento “mais a esquerda de sempre”. O pregão tão insistentemente cantado pelo governo não deixa de ser sintomático da herança que o socialismo vai deixar ao país: retenha-se apenas o penoso espectáculo das últimas reivindicações das esquerdas radicais, oportunisticamente fora da arquitectura e do contexto do próprio orçamento para perceber a dimensão da herança: fortes abanões numa fraca economia, esgarçando ainda mais o tecido empresarial, atrofiando a criação de riqueza, vetando o indispensável crescimento económico: qualquer dia, aqui d’el-rei. Estamos lembrados.

Ao pé disto governar por duodécimos parecer-se-ia com uma medida de muito bom senso se o Presidente não se tivesse precipitado com a palavra “eleições” e calendarizadas ainda para mais…Não era obrigatório. Eleições à pressa e a pressão? Tudo no actual contexto dispensaria uma coisa e outra.

2 A extrema esquerda desistiu de Costa. Que é outra forma de dizer que a peça teatral protagonizada há sete anos pelo PS, PCP e BE será retirada do cartaz por falta de protagonistas interessados em assegurar a sua continuidade. O PC vinha até já aviado de casa com o seu sonoro “niet” ao OE) e o BE foi apanhado em contra mão. O futuro não lhes sorri.

Apesar de tudo espantei-me: habituada ás coreografias que no passado enfeitavam esta espécie de comédia de costumes que se viveu nos últimos anos em Portugal, caí na distração: se tivesse “visto” melhor o resultado das autárquicas teria obrigação de ter percebido a mudança de ciclo que anunciavam. E consequentemente, as (inevitáveis) alterações nas estratégias partidárias que se seguiriam. Tão grandes que um Partido Comunista, banindo credos, convicções e ideologia, nos mostrou sempre votar sem remorso e disciplinadamente em quatro orçamentos do ex-presidente do Eurogrupo, para subitamente se mostrar agora expedito e convicto no chumbo deste: “o mais à esquerda” que Portugal teve nas ultimas décadas. E de facto: os patrões sentiram-se tão a mais que se levantaram da sala da concertação social e saíram porta fora. Fizeram bem. Horas depois a palavra “lapso” remetida pelo chefe do governo ao patronato, ficou a balançar nos écrans dessa noite: lapso?

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Assistiremos a um passa culpas assassino mas não é não é difícil escolher um responsável. Só há um, chama-se António Costa, e inventou a geringonça e a sua estratégia: se uma e outra poderiam ter alguma razão de ser na primeira legislatura — para alcançar e manter o poder, Costa só encontraria eco e guarida à esquerda — na segunda, como dizia o outro, não havia necessidade. O governo poderia — deveria – ter ganho distância relativamente à extrema-esquerda exibindo uma equidistância que lhe teria permitido ampliar politicamente a sua capacidade de negociação. O Primeiro Ministro preferiu — e fez — o contrário. Triturou o PSD, tratou mal a direita, humilhou metade do país. Como há males que vêm por bem, o centro e a direita agradecerão. Nada absolutamente lhes pesa neste desastre, nenhuma responsabilidade lhe poderá ser assacada.

Nisto tudo lembro-me de António Guterres: foi mais inteligente e mais rápido. No própria dia das eleições autárquicas de 2001, era ele primeiro-ministro, percebeu de imediato que tínhamos caído num pântano. Abalou nesse domingo. Costa, conhecido como um político tão habilidoso, parece ter percebido menos. Deve ter sido outro lapso.

3 Acredito que a muitos possa não parecer mas em certo sentido Portugal esta mais pobre, mais indefeso, menos estruturado, mais desigual do que em 2011. Olhe-se para os algarismos que certificam a dimensão astronómica da nossa dívida; para a cruel desigualdade económica e social entre portugueses, comprovada por números fiáveis; para a juventude, manietada por salários que lhe vetam qualquer futuro onde caiba um bocadinho de ambição; para as trapalhadas da Justiça; a vergonha da Educação; o angustiante estado da Saúde; para o asfixiante cerco do fisco; para a TAP, o estado dos comboios e agora o modo como se lida com os combustíveis. E já agora para a ficção dos fundos europeus — à qual o governo chama deprimentemente bazuka — que não vai chegar ao bolso dos portugueses porque não é a eles nem a ”isso” que se destina.

Tratar do país vai ser mais complexo, mais duro e mais ingrato do que em 2011 e não estou obviamente com isto a sub- estimar o ciclópico trabalho de Passos Coelho para nos tirar do fundo de um poço ( tirou e ganhou a seguir o prémio das urnas) mas a constatar uma evidência: dez anos depois o país está mais doente mesmo que não pareça ou que a retórica socialista — conforme se ouviu no parlamento — continue incansavelmente ilusória.

4 Repito: à hora a que escrevo nada sei sobre o “como” e o “quando” das eleições. Mas há uma coisa que sei: se forem um galope, o país é que sofre e nada ganha. À pressa, as eleições confundirão mais do que clarificarão. Perder-se-á tempo, oportunidades e dinheiro.

Não lhe parece, sr. Presidente que seria sensato evitar um lapso deste tamanho?