1 Brutal? Hesitei no adjectivo mas a sucessão de acontecimentos remete para a dureza das palavras. Lembram-se da história das armas de destruição maciça que levou à invasão do Iraque? Quando o Iraque foi invadido e não havia armas?

É o que “isto “ me faz lembrar.

2 As investigações não estão concluídas e no que se refere aos casos do Lítio e do Hidrogénio não se sabe sequer o suficiente. Onde quero porém chegar é que aconteça o que acontecer, o que já aconteceu não podia ter acontecido. Com a decisão do juiz da Operação Influencer e as medidas de coação por ele decretadas ficou reduzido a nada o que nos fora induzido como tudo ou pelo menos como muito.

Ficámos a saber que “por agora” é assim: as buscas a que, siderado, o país assistiu há dias não tinham sustentação. Aguardamos explicações.

E não vale a pena procurar em picardias, lutas internas ou combates fratricidas no universo da justiça a explicação para o sucedido: o que se passou é muito mais grave do que isso.

3 Melhor rever a matéria, nem ela nem o caso são para menos.

A magistratura entrou de supetão há dias na residência oficial do Primeiro-Ministro à procura de armas de destruição maciça. Buscas na sede do poder? Nunca aconteceu nem antes nem depois de Abril de 74. Não sei se me lembro de um “suivi” de episódios desta especifica natureza, servidos por um modus operandi também nunca visto na democracia portuguesa. A magistratura sai do coração do poder levando caixotes; há um comunicado indefinido, há detenções no coração da decisão política, há arguidos no seio do governo; há um Primeiro Ministro que se demite (porquê?) mas mencionando três ou quatro vezes a expressão “processo-crime”(a que propósito?) não constando ela de parágrafo algum; e que de imediato faz convergir tudo sobre si, autocolocando-se voluntária e decididamente no centro das coisas; há um Executivo com maioria absoluta que num nevoeiro de coisas por explicar, cai não pelo voto mas por uma entidade não eleita; há uma viagem do chefe do governo a Belém na quarta feira de manhã, para apresentar a sua demissão no que terá sido dissuadido pelo Chefe de Estado; logo a seguir há uma ida da Procuradora geral da Republica e logo a seguir uma segunda ida de António Costa à Presidência: Marcelo aceita a sua demissão. Porquê? Que lhe disse a Procuradora?

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4 Ou melhor: que sabe a Procuradora? Que sabia para, daquela maneira, legitimar a ida de gente sua e pela qual é responsável à residência do Primeiro Ministro? Só com um altíssimo grau de desconfiança se permitem e agilizam buscas desta envergadura. De que natureza seriam as armas de destruição maciça que estariam em S. Bento e não foram encontradas? Numa palavra, que se passou naquele dia que justificasse a dissolução de um parlamento com maioria absoluta?

5 Sábado negro, o último. O país assistiu à mais abusiva e abusadora encenação política em cinquenta anos vendo o chefe de governo desistir, em directo e ao vivo, da decência. Assassinando a ética, o demissionário Primeiro Ministro – que se demitira para deixar à Justiça o que era da Justiça – invadia sem remorso o território judicial. Em sua defesa. Friamente e sem escrúpulos visíveis, atirando ao charco dois homens escolhidos por si, um colaborador de toda a confiança e um amigo de sempre cuja relação não podia deixar também de ser fortemente sentimental. E de novo António Costa trazendo ao de cima das suas palavras (porquê?) a expressão processo-crime. (Nota: relembro que, se não estou em erro, o PR se referiu sempre a “processo” e não a processo crime.)

Pelo meio três atitudes socialistas com assinatura dos quais rezará memória : um ex-chefe de gabinete que acha verosímil guardar na residência oficial do primeiro ministro de Portugal milhares e milhares de euros como se a casa e a gaveta fossem suas. E que mesmo que nada tenha a ver com o que originou as buscas, é eloquentíssimo do seu entendimento do que é servir o Estado.

Um ministro imaturo, birrento e sem serventia que sem remorso e sem vergonha se vê obrigado a ser chutado à força para fora do poder.

Um governador de um banco central que também acha verosímil ponderar se vai ou não transitar dali para a chefia de um governo. Acedendo a uma “encomenda” política. Fazendo um “jeito” a António Costa e um “desenrasca” ao governo. Pelo meio invocando-se sem pudor e sem legitimidade, o Presidente da República num jornal estrangeiro. Pior é impossível. É certo que Mário Centeno já deixara meio (mais de meio?) país de boca aberta com a transição suave, veloz e levezinha das Finanças que tutelava a custa de cativações sucessivas, para a regência do Banco de Portugal. Por definição um banco central não pode apenas ser impolutamente independente. Tem de parecer. Não foi e nunca pareceu. Recorde-se apenas um recente escrito disfarçado – mal, era com o rabo de fora – de texto de opinião escorado numa pretensa “análise”-balanço do foro económico financeiro mas politicamente muito conveniente: aos anseios políticos do próprio Governador, ás narrativas do Governo, ao PS: família que Centeno gratamente tem servido.

Face ao visto e ouvido, oscila-se entre a incredulidade, o atordoamento, a indignação: como é possível? Mas foi possível. Portugal está perigoso.

6 Talvez nunca saibamos tudo. Mas há uma coisa que sabemos: António Costa escolheu pessoal e politicamente as suas más companhias que não são de hoje. Todas, uma a uma. Não foi um acaso, uma imposição, uma cunha, uma esmola. Foi uma vontade. A sua. Só há um responsável por este desastre de consequências ainda não pesadas, nem medidas: ele próprio.